O Judiciário e a ONU – O fato e sua reflexão
* Juiz Federal Titular da 20ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal/Doutorando em Direito Fundamentais pela UCIIIM, de Madri, Espanha
* Texto produzido em outubro de 2004
A visita ao Brasil do “Relator Especial” sobre a “Independência dos Magistrados e Advogados” reflete a atuação da ONU no âmbito da tutela dos direitos humanos, e, mais especificamente, de sua Comissão de Direitos Humanos-CDH, à qual se vincula o “Sistema de Relatores Especiais”. A legitimidade dessa atuação é de natureza extraconvencional, independendo de pactos ou convenções específicos, e tem fundamento nos princípios e regras mínimas que emergem da Carta das Nações Unidas, de 1945.
Não há qualquer novidade nos mandatos conferidos pela ONU aos “Relatores Especiais”.Sua primeira ocorrência deu-se em 1952, e, desde então, já foram constituídos 42 mandatos geográficos - definidos em razão de certo país ou região - e 24 mandatos temáticos - em razão de tema específico -, neste último inserida a questão da independência da Justiça, à qual já se submeteram países como a Inglaterra, Bélgica e México.
Ao “Relator Especial” cabe avaliar, analisar e estudar as situações de persistente violação aos direitos humanos, reunindo provas e apresentando Relatório à CDH, não tomando decisões. Suas conclusões podem implicar a promoção de medidas preventivas, corretivas, protetoras e até mesmo sancionadoras pela ONU, tudo, evidentemente, a se efetivar no complexo campo das relações internacionais.
Essa a dinâmica, apenas parcial e em esforçada síntese, na qual se desenvolve parte da tutela internacional dos direitos humanos, baseada em mais de 140 instrumentos internacionais. Descortinados os fatos, cabe refletir se há algum mal na visita ao Brasil de um emissário da ONU para conhecer as entranhas do Poder Público no que toca à independência da Justiça – magistrados, Ministério Público e advogados -, ou mesmo se por esta iniciativa podem-se admitir as impressões de indevida intromissão internacional em assuntos internos.
No plano internacional, a emancipação dos direitos humanos encontra o seu maior desafio centrado na efetiva satisfação daqueles direitos, e de modo que não se reduzam à percepção de se tornarem mero catálogo de boas intenções, ou, na expressão de LUIGI FERRAJOLI, direitos vazios. Passam por este desafio os intentos em se criar e expandir a cultura dos DDHH, o incentivo a práticas de interação que os favoreçam como valores inalienáveis e que levem à idéia de sua universalidade e indivisibilidade, impondo-se seu respeito, cumprimento e não-violação. Fracassando a promoção àqueles direitos, havendo violação persistente, entra em cena sua proteção, com os instrumentos técnicos, políticos e jurisdicionais próprios do direito internacional público. Nisso destaca-se o relevante papel protagonizado pela ONU, indispensável a reforçar a idéia de que a tutela aos direitos humanos, decorrente daqueles valores, é preocupação supraestatal, global, extrapolando os domínios reservados aos Estados e ultrapassando suas barreiras territoriais, longe, assim, de ser um tema submetido aos limites da soberania, e por isso nem mesmo havendo espaço para se definir sua tutela inspirado na “tentação de Procusto”, de modo a se limitá-la ao tamanho que entendemos necessário.
Na abordagem moderna do embate direitos humanos/soberania, a pessoa é defendida também contra o próprio Estado de que é cidadão, e daí não se justificando as reações de haver intromissão dos emissários da ONU nos assuntos internos do país, denegrindo ou subestimando nossa independência e soberania. No caso brasileiro, assim como dos demais países civilizados, a tutela internacional reflete e se coaduna com o pleno exercício da própria soberania, em vista da opção, soberana, da proteção incondicional aos direitos humanos, inclusive elegendo o texto constitucional aquela categoria de direitos como fundamento, objetivo e princípios do Estado brasileiro.
Em um país com profundas distorções sociais, culturais e econômicas, com a exclusão de tantos ao mínimo indispensável a uma vida digna, a realização dos direitos humanos revela-se com alcance desafiador. E neste desafio impende quebrar barreiras e desconstruir equívocos. Não é de mais lembrar as palavras de JEAN-BERNARD MARIE, ao advertir que os direitos do homem constituíram uma aquisição de indiscutível dimensão planetária ao longo da segunda metade do século passado, mas é necessário saber também que esta aquisição não tem nada de absolutamente irreversível e que sua credibilidade se encontra constantemente submetida à prova dos fatos.
Não há qualquer novidade nos mandatos conferidos pela ONU aos “Relatores Especiais”.Sua primeira ocorrência deu-se em 1952, e, desde então, já foram constituídos 42 mandatos geográficos - definidos em razão de certo país ou região - e 24 mandatos temáticos - em razão de tema específico -, neste último inserida a questão da independência da Justiça, à qual já se submeteram países como a Inglaterra, Bélgica e México.
Ao “Relator Especial” cabe avaliar, analisar e estudar as situações de persistente violação aos direitos humanos, reunindo provas e apresentando Relatório à CDH, não tomando decisões. Suas conclusões podem implicar a promoção de medidas preventivas, corretivas, protetoras e até mesmo sancionadoras pela ONU, tudo, evidentemente, a se efetivar no complexo campo das relações internacionais.
Essa a dinâmica, apenas parcial e em esforçada síntese, na qual se desenvolve parte da tutela internacional dos direitos humanos, baseada em mais de 140 instrumentos internacionais. Descortinados os fatos, cabe refletir se há algum mal na visita ao Brasil de um emissário da ONU para conhecer as entranhas do Poder Público no que toca à independência da Justiça – magistrados, Ministério Público e advogados -, ou mesmo se por esta iniciativa podem-se admitir as impressões de indevida intromissão internacional em assuntos internos.
No plano internacional, a emancipação dos direitos humanos encontra o seu maior desafio centrado na efetiva satisfação daqueles direitos, e de modo que não se reduzam à percepção de se tornarem mero catálogo de boas intenções, ou, na expressão de LUIGI FERRAJOLI, direitos vazios. Passam por este desafio os intentos em se criar e expandir a cultura dos DDHH, o incentivo a práticas de interação que os favoreçam como valores inalienáveis e que levem à idéia de sua universalidade e indivisibilidade, impondo-se seu respeito, cumprimento e não-violação. Fracassando a promoção àqueles direitos, havendo violação persistente, entra em cena sua proteção, com os instrumentos técnicos, políticos e jurisdicionais próprios do direito internacional público. Nisso destaca-se o relevante papel protagonizado pela ONU, indispensável a reforçar a idéia de que a tutela aos direitos humanos, decorrente daqueles valores, é preocupação supraestatal, global, extrapolando os domínios reservados aos Estados e ultrapassando suas barreiras territoriais, longe, assim, de ser um tema submetido aos limites da soberania, e por isso nem mesmo havendo espaço para se definir sua tutela inspirado na “tentação de Procusto”, de modo a se limitá-la ao tamanho que entendemos necessário.
Na abordagem moderna do embate direitos humanos/soberania, a pessoa é defendida também contra o próprio Estado de que é cidadão, e daí não se justificando as reações de haver intromissão dos emissários da ONU nos assuntos internos do país, denegrindo ou subestimando nossa independência e soberania. No caso brasileiro, assim como dos demais países civilizados, a tutela internacional reflete e se coaduna com o pleno exercício da própria soberania, em vista da opção, soberana, da proteção incondicional aos direitos humanos, inclusive elegendo o texto constitucional aquela categoria de direitos como fundamento, objetivo e princípios do Estado brasileiro.
Em um país com profundas distorções sociais, culturais e econômicas, com a exclusão de tantos ao mínimo indispensável a uma vida digna, a realização dos direitos humanos revela-se com alcance desafiador. E neste desafio impende quebrar barreiras e desconstruir equívocos. Não é de mais lembrar as palavras de JEAN-BERNARD MARIE, ao advertir que os direitos do homem constituíram uma aquisição de indiscutível dimensão planetária ao longo da segunda metade do século passado, mas é necessário saber também que esta aquisição não tem nada de absolutamente irreversível e que sua credibilidade se encontra constantemente submetida à prova dos fatos.
3 comentários:
Agradeço a gentileza do colega Alexandre Vidigal em imediatamente franquear a esta ferramenta o artigo em destaque, ainda mais se tratando de tema sempre atual, que é o relativo ao papel cumprido pelo nosso país no plano internacional, no que tange ao respeito e defesa dos Direitos Humanos.
Rubem.
Uma das questões mais lancinantes relativas à violação de direitos perante o Estado é a falta de DEFESA EFETIVA (não digo de defensoria), mormente em processos criminais. Quando se pára pra pensar sobre isso, ainda não viramos o século.
Caro Juarez,
A respeito do seu comentário acima, espaço aguarda sua contribuição.
Um abraço,
Rubem
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