terça-feira, 13 de novembro de 2007

Agapito Machado* - Efeitos da Condenação


Efeitos da Condenação

*Juiz Federal 21a. Vara - Fortaleza e Professor da Universidade de Fortaleza

Aos meus alunos da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e da Faculdade 7 de setembro (FA7), tenho procurado mostrar que praticamente nenhum penalista ou administrativista pátrio, salvo Cézar Bittencourt, após prévio contato com ele, aborda a incoerência do art. 92, I “a”, do Código Penal, segundo a qual um funcionário público federal, condenado por crime envolvendo seu cargo ou função, à pena privativa de liberdade inferior a um (1) ano, “poderá” permanecer no cargo, ou se igual ou superior a 1(um) ano, o juiz se omitir em decretar tal perda, na sentença, o que afronta o princípio da especialidade previsto no Estatuto do Servidor Público Civil da União (Lei nº 8.112/90) e, em outros casos, o dos Estados e Municípios.

Juízes monocráticos e membros dos Tribunais Inferiores ou Superiores, notadamente em suas competências originárias, têm duas (2) principais opções de mérito, diante de uma peça acusatória: absolver ou condenar o acusado isso, após analisar, com rigoroso critério de certeza, os elementos existentes do chamado “devido processo legal”.

O verdadeiro magistrado não deve julgar para agradar a quem quer que seja; não deve ser bajulador, carreirista, voltado para a mídia, e só deve se ajoelhar diante de Deus.

Notadamente ao proferir uma decisão condenatória, o verdadeiro magistrado que atua na área criminal, deve sempre lembrar dos ensinamentos de mestres como Roberto Lyra e Nelson Hungria para quem, respectivamente, ”é melhor absolver um culpado do que condenar um inocente” e ”condenar um possível delinqüente é condenar um possível inocente”.

A principal conseqüência/efeito de uma condenação criminal é a imposição da pena ao condenado que, dependendo do caso, poderá ser recolhido a estabelecimento prisional apropriado, conforme o regime estabelecido, ou se submeter à pena restritiva de direito ou pecuniária.

A condenação criminal, bem sabemos, implica noutros efeitos penais, chamados de secundários, tais como a revogação do “sursis”, do livramento condicional, a caracterização da reincidência, a interrupção da prescrição quando caracterizada a reincidência, o aumento de seu prazo ( da prescrição), entre outros.

Com efeito, dispõem os arts. 91 e 92 do Código Penal “verbis”:

“art. 91. S ão efeitos da condenação:
I-tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime
II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:
a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção, constitua fato ilícito;
b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente como a prática do fato criminoso.

art. 92. São também efeitos da condenação:

I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 (um) ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com aAdministração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos;
II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;
III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.

Parágrafo único. Os efei­tos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença."

Genéricos e automáticos são os efeitos que se aplicam a qualquer crime, como se deduz do art. 91 do CP.

Já as hipóteses previstas no art. 92 do CP, dizem respeito a determinados crimes, além de dependerem de declaração expressa do magistrado sentenciante, motivando-os na sentença.

1. Efeitos genéricos automáticos
1.1. Obrigação de reparar o dano (art. 91, I: "a condenação criminal torna certa exata a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime)
Em seu art. 5º XLV, a Constituição Federal acatou o princípio da responsabilidade pessoal, o que vale dizer, a sanção penal só pode ser aplicada ao condenado, não passando da pessoa do delinqüente, diferentemente da chamada responsabilidade civil.
Todavia, a vítima ou seus sucessores, conforme art. 63 do Código de Processo Penal, poderão buscar, judicial e civilmente, ou seja, na chamada instância não penal, a reparação do dano tanto daquele que lhe causou o crime como contra os seus sucessores, nos limites legais, porque a condenação criminal, a uma pena de reclusão, detenção ou prestação de serviços à comunidade, entre outras, significa também a obrigação, pelo con­denado, de reparar o dano causado por seu comportamento violando o direito alheio.

Diz-se que a indenização terá de ser buscada na instância não penal (cível) porque a decisão do juiz criminal não trata, especificamente, do “quantum” da reparação do dano, sendo a obrigação de indenizar prevista no art. 584, II, do Código de Processo Civil, que dispõe serem títulos executivos judiciais, entre outros, a sentença penal condenatória transitada em julgado.

Na ação cível, não mais se discutirá o mérito da condenação criminal transitada em julgado (ação típica e ilícita) e, para outros, culpável e punível, mas tão somente o “quantum” da indenização, porque o Estado Juiz já se pronunciou previamente sobre a culpabilidade do condenado. Do contrário inexistiria a chamada harmonia do Direito.

1.2 Confisco de instrumentos e produtos do crime
Como vimos, o inciso II do art. 91 do Código Penal prescreve que a sentença condenatória, após transitada em julgado, acarretará a "a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de' boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso".

A Constituição Federal no art. 52, XLVI, “b”, tratou da pena de perda de bens que recai sobre quaisquer de propriedade do condenado, o que é diferente do confisco, tratado no art. 91 do CP, inciso II. É que o confisco, como efeito genérico da condenação, só pode incidir sobre instrumentos e produtos do crime.

Como não poderia deixar de ser, o referido inciso II do art. 91 do CP, deixa a salvo o direito da pessoa lesada ou do terceiro que, de boa fé, venha a sofrer prejuízo em razão do crime, o que bem demonstra que a União, a título de confisco, só receberá bens que não pertençam a terceiros.

2. Efeitos específicos não automáticos

O art. 92 do Código Penal dispõe sobre outros efeitos da condenação, que somente se aplicarão para alguns crimes, e desde que o magistrado os determine, na sentença, fornecendo, de modo fundamentado, as razões de sua aplicação. São os chamados efeitos específicos, não automáticos. Vejamos.

2.1. Perda de cargo ou função pública

O atual inciso I, do art. 92 do Cód. Penal, com nova redação da Lei n 9.268, de 1º.04.1996, minimizando em parte a aberração anterior, ficou assim redigido:
"São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos."

Diz-se que antes, a aberração era maior porque, pela reforma penal de 1984, se o autor do fato tivesse praticado o crime com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, o juiz só poderia, na sentença, decretar-lhe a perda do cargo, se a condenação à pena de privação de liberdade fosse superior a quatro anos. Hoje basta que a condenação seja à pena privativa de liberdade igual ou superior a 1 (um) ano, o que ainda continua sendo uma incoerência, conforme se demonstrará.

Já nos crimes cometidos por funcionário público sem abuso de poder ou sem vio­lação de dever para com a Administração Pública, a perda do cargo, na sentença, que também exige fundamentação do Juiz, só poderá ocorrer quando a pena for superior a quatro anos porque, dificilmente, têm repercussão na Administração Pública.

Na primeira hipótese, o efeito poderá ser aplicado nos casos de crimes tipificados nos arts. 312 a 326 do Código Penal, como peculato, concussão, corrupção passiva, prevaricação, violência arbitrária, além dos previstos no art. 3º da Lei nº 8.137/90, envolvendo matéria tributária, também considerados funcionais, bem ainda em qualquer hipótese de crime praticado por funcionário público durante o exercício de sua função ou com ela relacionados, desde que o faça com abuso de poder ou com violação de dever funcional, como v.g. invasão de domicílio, falsificação de documentos, homicídio, estupro, atentado violento ao pudor, furto, roubo, abuso de autoridades entre outros.

Sustentam os juristas da área penal que a imposição desse efeito (perda do cargo ou função pública) deverá ser fundamentada, eis que não é automática, como o próprio Código Penal cogita, e dependerá da necessi­dade para a prevenção e reprovação do crime, devendo o juiz levar em conta as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal e que a perda de cargo ou função pública, como efeito permanente da sentença condenatória, não se confunde com a pena restritiva de direito prevista no art. 47, I, do Código Penal, que é interdição temporária do exercício do cargo ou função pública ou de mandato eletivo.

Ouso discordar de todos os penalistas e administrativistas pátrios que sustentam que o funcionário público só perderá o cargo ou função pública, em crime funcional ou que tenha se servido da função, se ocorrerem, ao mesmo tempo, os seguintes requisitos: a) se o juiz condená-lo à pena privativa de liberdade igual ou superior a 1 (um) ano; b) e for determinado expressamente na sentença, como manda o parágrafo único do art.92 do Cód.Penal.

E se o juiz condená-lo a menos de 1 (um) ano, como no crime de emprego irregular de verba (art.315, do Cód.Penal) que não permite pena maior e assim não tem como o juiz decretar a perda do cargo ou função pública na sentença? Ou se condená-lo a mais de 1(um) ano e o juiz não decretar a perda do cargo na sentença, após o trânsito em julgado, o servidor que de algum modo não perdeu o cargo por força de Inquérito Administrativo anterior , permanecerá nele?

Esse entendimento, “data vênia”, beira ao absurdo e agride mesmo os princípios da especialidade/razoabilidade/proporcionalidade.

Sobre o assunto, publiquei em jusnavigandi e no Jornal Diário do Nordeste de Fortaleza, em 2006, o seguinte trabalho “verbis”:

SERVIDOR PUBLICO FEDERAL CONDENADO A MENOS DE 1(UM) ANO, PERDE O CARGO?

AGAPITO MACHADO
Juiz Federal da 4a.Vara no Ceará e Prof. da UNIFOR

De acordo com o Estatuto do Servidor Público Federal (Lei 8.112/90), o servidor será demitido por faltas reiteradas que não constituem crimes (quando então só será instaurado inquérito administrativo) e por faltas que também constituem crimes funcionais e/ou praticados com abuso de poder ou violação de dever funcional (quando deverão ser instaurados, concomitantemente, inquérito administrativo e policial/ação penal, e, destarte, atuarão as duas instâncias). De acordo com o Código Penal, art.92, I, fica a falsa idéia de que o servidor federal não perderá o cargo/função pública mesmo que seja condenado,definitivamente, por crimes funcionais e/ou praticados com abuso de poder ou violação de dever funcional, se a pena privativa de liberdade aplicada for inferior a um (1) ano, porque o Juiz, nesse caso, não poderá decretar tal perda na sentença. É que, tal perda,além de não ser automática, só se dará se a condenação for igual ou superior a 1 (um) de pena privativa de liberdade. Dos autores penalistas pátrios que li, nenhum deles enfrenta, com lucidez o tema, à luz do princípio da especialidade, ou seja, não invocam, em nenhum momento, a Lei Especial 8.112/90, art. 132 (na área federal) que prescreve clara e textualmente que o servidor será demitido (não é poderá), se cometer crime contra a Administração Pública, pouco importando se a condenação criminal é ou não inferior a 1 (um) ano. Basta a só condenação transitada em julgado e nada mais.

Se a condenação criminal, definitiva, é inferior a um ano (e nesse caso o Juiz, repita-se, não poderá dar o comando direto, na sentença, quanto à perda do cargo/função pública), e se por alguma razão o servidor permaneceu no cargo (seja porque era um apaniguado do Chefe da Repartição e o inquérito nunca foi instaurado ou, se instaurado, o foi apenas para nada apurar), penso que, pelo princípio da especialidade, o administrador deverá simplesmente baixar uma Portaria, invocando a Lei 8.112/90 em seu artigo 132 e determinar que o servidor está demitido sim, porque condenado por crime contra a Administração Pública ou com abuso de poder ou violação de dever funcional, pouco importando a quantidade da pena privativa de liberdade aplicada. Não é possível que um peculatário, um corrupto, um desviador de verbas, um facilitador de contrabando etc, condenado pela Justiça Criminal, só porque a menos de um (l) ano, permaneça no serviço público, quando o Estatuto (Lei 8.112/90) manda (determina, impõe) demiti-lo.

Com efeito, se o Chefão da Repartição, nesse caso, não adotar providências para demitir o servidor condenado, incorrerá em crime de prevaricação (art. 319 do Código Penal), além de sua omissão caracterizar ato de improbidade administrativa com repercussão da esfera civil. Se assim penso, também não vejo sentido a pena de interdição temporária de direito de que trata o art. 47, I, do mesmo Código Penal que, a meu ver,e a uma análise sistemática para se admitir a sua sobrevivência (desse art. 47,I), há de ser assim interpretado: a) esse art.47,I do CP só deve ser aplicado para as condenações por crimes não funcionais (art.92,I, ”b”) e quando o juiz condenar o servidor a menos de um (1) ano de pena privativa de liberdade,ou seja, ele ficará privado de exercer o próprio cargo, que não o perderá (o cargo exercido no momento da condenação criminal); ou b) em se tratando de condenação definitiva por crimes funcionais ou envolvendo o cargo/função (art.92,I, “a” do CP) em que ele perderá sim seu atual cargo, qualquer que seja a plena aplicada, em face da Lei Especial 8.112/90, a interdição temporária de direito refere-se ao exercício de outro cargo/função a que venha exercer, por novo concurso/ nova nomeação.
Não é possível: a) se interpretar, isoladamente, o art.92,I, do Código Penal, que é destinado a quem exerce cargo/função pública; b) se desprezar a unidade do direito; e c) o fato de que, em se tratando de servidor público federal, se despreze o princípio da especialidade inoculado na Lei nº 8.112/1990(Estatuto do Servidor Público Federal), Lei essa bem posterior ao Código Penal, cuja reforma de sua parte geral, data de 1984 (Lei nº 7.209)” .

Dos poucos juristas com quem conversei, pessoal e virtualmente, no caso, os Professores e amigos Ney Moura Teles e Cezar Roberto Bitencourt, este, na última edição de seu excelente Livro Tratado de Direito Penal, vol. I, entenderam interessante o meu posicionamento, afirmando,porém, que a demissão só poderá se realizada, mesmo após a condenação criminal, transitada em julgado, em um outro ou novo inquérito administrativo para, destarte, se proporcionar ampla defesa ao funcionário reconhecidamente bandido.

É o caso de lhes perguntar: E se o chefão do funcionário condenado, mesmo arriscando ser processado por prevaricação, continuar sem instaurar o inquérito administrativo contra o réu apaniguado? O devido processo legal onde o funcionário condenado teve ampla defesa já não foi o próprio processo judicial? E o inquérito administrativo poderá vir a decidir ou concluir diferentemente do que decidiu a instância criminal, com trânsito em julgado? E como fica a independência das instâncias? E o princípio da Especialidade nesse caso tratado pela Lei Federal nº8.112/90 que manda demitir o funcionário que cometer crime usando a função, sem cogitar de quantidade de pena? Pelo estatuto (Lei n. 8.112/90) o servidor público federal civil perderá o cargo por faltas que nem crimes são consideradas, como a reiterada ausência ao trabalho, embriaguez em serviço, incontinência ou má conduta, etc, que não causa mal maior ao serviço, e um criminoso, bandidão mesmo, assim declarado, com trânsito em julgado, pela Justiça Criminal, vai permanecer do serviço público? Diria como um comediante cearense: “é demais, é demais para a minha radiola...”

Penso que esse assunto não deveria ser tratado pelo Código Penal, porque é também de direito administrativo. E se continuar a sê-lo, que ele seja alterado para impor ao juiz criminal que decrete a perda do cargo de funcionário público que for condenado, após o trânsito em julgado, qualquer que seja a pena aplicada, por crime funcional (arts. 312 a 324 do Cód.Penal e art. 3º da Lei 8.137/90) ou nos em que utilizou o cargo ou a função pública, como fazem as Leis nºs 4.898 e 9.455 que impõe a perda do cargo, diante da só condenação do funcionário, pouco importando a quantidade da pena aplicada e assim manter a unidade do Direito. A lei é que tem lacunas. O Direito, não.

Um assunto como esse não pode ficar sem respaldo à luz do direito administrativo (Lei nº 8.112/90), daí porque nem só opinião de penalista nem só opinião de administrativista é válida, mas de alguém que conheça, domine e tenha mesmo vivido os dois ramos do direito porque, repita-se, o Direito não deve comportar lacunas nem antinomias tão aberrantes.

Em sua obra já citada, Cezar Roberto Bitencourt nos lembra que, pelo menos no âmbito do Direito Penal, a condenação não implica na incapacidade de investidura do servidor em outra função ou cargo público, senão naquele que praticou o crime.

Resta saber, ainda, se o funcionário público condenado por crime envolvendo seu cargo ou função, tentar se inscrever em concurso para outro cargo/função, perante a mesma Administração Pública de onde foi demitido, se sua inscrição será aceita pacificamente. Penso que ele terá de enfrentar o problema via mandado de segurança. Não será fácil obter inscrição em outro cargo em repartição onde ele “meteu a mão” e ficou conhecido como “larápio”.

Recordo que já concedi mandado de segurança para inscrever candidato que há mais de 10(dez) anos, após condenado/demitido por ato criminoso, tentou se inscrever em concurso, para novo cargo, na mesma repartição tendo, naquela ocasião, fundamentado a sentença no “writ” afirmando que o nosso País não admite penas perpétuas.
2.2 Perda do mandato eletivo:

Semelhante ao funcionário público e como efeito específico e não automático da condenação, ocorre a perda do mandato eletivo do parlamentar. Todavia, em se tratando de parlamentar, não podemos esquecer a peculiaridade prevista no art. 15, III, da Constituição Federal de 1988 que prescreve “verbis”:

"É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:... III - condenação criminal transitada em julgado enquanto durarem os seus efeitos."
Sobre o assunto, o ilustre Professor Ney Moura Teles, em seu Direito Penal, Parte Geral, 2a.edição Atlas, 2006, pgs. 458/361, é quem melhor analisa o assunto, porque o faz frente ao texto Constitucional posterior à reforma do Código Penal, pela Lei 9.268/96 assim lecionando “verbis”:

“O art. 55, VI e § 2º, da Carta Magna estabelece que os deputados e senadores perderão o mandato na hipótese de sofrerem "condenação criminal em sentença transitada em julgado", dispositivo que se aplica também aos deputados estaduais por força do disposto no art. 27, § 12.
São três normas distintas, que aparentemente se contradizem. A norma constitucional do art. 15, IIl, da Constituição Federal, afirma que a condenação criminal transitada em julgado implica a suspensão dos direitos políticos. A norma do art.55, VI, c.c. o § 2º, da Carta Magna, informa que a condenação criminal transitada e julgado poderá ensejar a perda do mandato do deputado e do senador, desde que a casa legislativa a que pertencer o parlamentar assim o decida. E a norma do art. 92, I, do Código Penal, diz que a perda do mandato é efeito específico não automático da sentença condenatória.
O Direito é um sistema harmônico e suas normas não se contradizem; impos­sível qualquer conflito entre elas. Como resolver o aparente conflito? Entre as três normas, duas estão no mesmo nível constitucional, e se sobrepõem, vinculando a outra, uma norma ordinária federal. A interpretação deve, é óbvio, iniciar-se pelas normas fundamentais.
A primeira delas cuida de direitos políticos de todos os cidadãos, a outra, de mandato eletivo de senadores, deputados federais e deputados estaduais, por força do que dispõe o art. 27, § 1º, da Constituição Federal.
A norma do art. 15, III, da Constituição Federal, trata dos direitos políticos para dizer, em primeiro lugar, que sua cassação é vedada, proibida. Mas, o preceito admite a perda e a suspensão dos direitos políticos. Necessário, pois, distinguir cassação de perda, e de suspensão.
Por cassação há de se entender a anulação, a invalidação, a usurpação, a subtração autoritária dos direitos políticos do cidadão, por ato unilateral, imotivado ou injustificado. O regime autoritário instalado no Brasil a partir de 1964 inaugurou a prática anti democrática de tornar sem efeito mandatos eletivos, utilizando-se da expressão cassação. Também por aquele tempo foi comum a prática de suspender direitos políticos por dez anos.

Atento à história recentíssima de nosso país, o legislador constituinte de 1988 teve a feliz idéia de inserir, na Constituição, a proibição da cassação de direitos políticos, porquanto consistiria na pura e simples eliminação, violenta e arbitrária, dos direitos políticos do cidadão.
Possível é, todavia, a perda ou a suspensão dos direitos políticos. A norma do art. 15, III, da Constituição Federal, é clara: o indivíduo perderá seus direitos políticos apenas em duas únicas hipóteses:
(a) quando tiver cancelada sua natu­ralização, por sentença transitada em julgado; ou (b) quando tiver declarada sua incapacidade civil absoluta.

Não podia ser de outro modo. Se o estrangeiro naturalizado perder a nacio­nalidade, não poderá, é de todo óbvio, gozar dos direitos inerentes apenas aos cidadãos brasileiros. Nesse caso, o indivíduo perde os direitos políticos que tinha, o de votar, o de ser votado e o de exercer atividade partidária. De notar que tais direitos foram por ele adquiridos em razão da naturalização e, ao depois, perdidos, como conseqüência do cancelamento da naturalização. E, como ficou expresso, somente ocorrerá a perda em processo regularmente instaurado e desenvolvido com respeito ao due process of law, e após o trânsito em julgado da sentença.Declarada a incapacidade civil absoluta, igualmente perderá os direitos políticos.

A outra situação preconizada no mesmo art. 15, III, da Constituição Federal, é a da suspensão dos direitos políticos. Em verdade, os direitos políticos não são suspensos, mas seu exercício fica proibido, enquanto durar a condenação criminal transitada em julgado.

O comando normativo é no sentido de que o exercício do direito político será impedido quando seu titular for definitivamente condenado por sentença condenatória. Em outras palavras, o condenado definitivamente não poderá exercer direitos políticos, enquanto durarem os efeitos da condenação, podendo voltar a exercê-los quando tais efeitos tiverem cessado.

A primeira indagação surgida foi: o preceito constitucional seria auto-aplicável ou dependeria de regulamentação? O Supremo Tribunal Federal enfrentou-a questão, e vale transcrever a ementa do Agravo Regimental no RMSA-22470/SP, julgado em 11-6-96, publicada no DJ, de 27-9-96, do qual foi relator o Ministro CELSO DE MELLO, assim: '
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"SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS - CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL - SUBSISTÊNCIA DE SEUS EFEITOS . AUTO-APLICABILIDADE DO ART. 15, III, DA CONSTITUI ÇÃO. A norma inscrita no art. 15, III, dá Constituição reveste-se de auto-aplicabilidade, independendo, para efeito de sua imediata incidência, de qualquer ato de intermediação legislativa. Essa circunstância legitima as decisões da Justiça Eleitoral que declaram aplicável, nos casos de condenação penal irrecorrível - e enquanto durarem os seus, efeitos, como ocorre na vigência do período de prova do sursis - , a sanção constitucional concernente à privação de direitos políticos do sentenciado: Precedente: RE nº 179.502-SP (Pleno), Rel. Min. MOREIRA ALVES."

A Suprema Corte nominou essa suspensão dos direitos políticos de "sanção constitucional" que decorre de toda e qualquer condenação penal transitada em julgado. Como conciliá-la com a norma do art. 55, VI, e § 2º da mesma Carta Constitucional, que exige a declaração, pela casa legislativa, da perda do mandato do parlamentar no caso de condenação criminal definitiva, se é de todo óbvio que o pressuposto do exercício de qualquer mandato eletivo é o gozo, pelo titular, dos direitos políticos? ,

Ora, com a Emenda Constitucional nº 35/2001, o regime original da imunidade parlamentar processual foi alterado, não havendo mais necessidade de autorização legislativa para a instauração ou seguimento de processo penal contra parlamentar. Agora, somente quando por fato cometido após a diplomação, o processo pode ter seu curso sustado. Houve, pois, mudança substancial.

No item 5.3.2.2, manifestamos nossa opinião no sentido da incompatibilidade do § 2º do art. 55 da Constituição Federal com o novo sistema de imunidades! parlamentares advindo com a Emenda Constitucional nº 35/2001, o qual está, a nosso ver, tacitamente revogado.
'"
De conseqüência: a condenação criminal transitada em julgado acarreta automaticamente a suspensão dos direitos políticos do condenado, enquanto durarem os efeitos da condenação. Mesmo que a pena privativa de liberdade tenha sido suspensa pelo sursis, ou ainda que esteja sendo cumprida em regime aberto, não importa. Até no caso de ser o agente condenado a uma pena de multa, desde que haja o trânsito em julgado, seus direitos políticos ficam suspensos. Nesse caso, se ele estiver exercendo mandato eletivo, este será automaticamente perdido, em razão da suspensão dos direitos políticos, e não será recuperado com o pagamento da multa. Paga a multa, o condenado recupera os direitos políticos, mas não o mandato, que se extinguiu no momento exato da condenação.

De conseqüência, norma do art. 92, I, do Código Penal, na parte que trata da perda do mandato eletivo, é inaplicável, remanescendo seu comando apenas com relação à perda de cargo ou função pública. Não pode a lei ordinária contrariar a norma constitucional, nem regulamentá-Ia dispondo de modo contraditório. Não há menor harmonia entre a norma do art. 92, I, do Código Penal, e o preceito constitucional.

Em razão desse preceito, é de se entender que a perda de mandato eletivo é conseqüência do efeito automático e genérico da suspensão dos direitos políticos que se dá em razão de toda e qualquer condenação penal transitada em julgado pela prática de crime, e não apenas efeito específico, não se aplicando, pois, o disposto no art. 92, I, do Código Penal, mas o preceito constitucional.

Se um dos requisitos para o exercício de qualquer mandato eletivo - uma condição de elegibilidade - é o pleno exercício dos direitos políticos (art. 14, § 3º, CF), de todo óbvio que aquele que tiver seus direitos políticos suspensos, pelo tempo que durar os efeitos da condenação, não poderá, durante esse lapso temporal, exercer qualquer mandato eletivo.
Se o condenado com sentença transitada em julgado não pode ser eleito, não pode, igualmente, continuar o exercício do mandato para o qual tiver sido eleito anteriormente à condenação. É da mais límpida obviedade”.

2.3 Incapacidade permanente para o exercício do pátrio, tutela ou curatela.

Para a prevenção e repro­vação do crime, se o autor do fato delituoso o tiver praticado dolosamente, mormente nos sexuais, sujeitos à pena de reclusão, contra seu próprio filho, um tutelado ou curatelado, penso que será sempre necessário o magistrado, ao proferir sentença condenatória declarar, de modo fundamentado, a sua incapacidade permanente para o exercício desses “munus” (pátrio poder, da tutela ou da curatela).

Malgrado tal incapacidade seja permanente, é possível que venha a ser eliminada pela reabilitação (art.93, p.u) em relação a outros tutelados ou curatelados, bem assim em relação a outros filhos, mas nunca em relação às suas vítimas anteriores, como assim também pensa Cezar Roberto Bitencourt, em sua obra já citada.

De acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406/02) a expressão “pátrio poder” deverá ser interpretada no sentido de “poder familiar”, estando ambos os pais, agora, sujeitos aos efeitos previstos pelo art. 92 do Cod.Penal.

2.4 Inabilitação para dirigir veículo

Esse efeito permanente diz respeito ao con­denado que tiver utilizado o veículo como meio para a prática de um crime doloso, o que não se confunde com a “proibição temporária”, que é pena restritiva, aplicável aos autores de crimes culposos no trânsito (art. 47, III c/c com art. 57, do CP).

Dito efeito se aplica quando o veículo é utilizado como meio para a prática de crime doloso.

Sem o documento de habilitação expedido nos termos do art. 140 do Código de Trânsito Brasileiro, podem ser o Sena, Nelson Piquet ou Jobim, Lula etc ,perante a lei, consideram-se inabilitados.

3. Reabilitação

No jargão popular diz-se que o condenado “limpará sua ficha”, eliminando uma marca negativa em sua vida, eis que muitas vezes, mesmo cumprindo a pena, ele continua sofrendo as conseqüências da condenação anterior, sem conseguir emprego lícito, recebendo a pecha de criminoso, enfim, não consegue sua reinserção na sociedade.

A reabilitação elimina quase todos os efeitos da condenação, assegurando, destarte, ao condenado, o sigilo sobre os registros constantes do processo em que foi condenado.

Sobre o assunto, assim dispõe o art. 202 da LEP “verbis”:

"Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei."

Há quem afirme que, em face desse art.202 da Lei de Execuções Penais, está assegurada, automaticamente, a garantia do sigilo quanto à condenação do réu, ou seja, independentemente de providência judicial e por isso não teria tanto sentido a reabilitação.

O art. 202 da LEP, como se constata, só diz respeito à autoridade policial ou aos auxiliares da Justiça, enquanto que a reabilitação surtirá efeitos contra qualquer pessoa, daí ser ela indispensável para “limpar a ficha” do condenado perante toda Sociedade.

Por ser condicional a reabilitação, o sigilo só não é respeitado diante de requisição de juiz criminal, assim determinado pelo o art. 748 do Código de Processo Penal”verbis”:

“A condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal."

Para requerer a reabilitação o condenado o fará depois de decorrido o prazo de dois anos da data em que a execução da sanção penal estiver encerrada ou a pena tiver sido extinta e se tiver sido beneficiado com a suspensão condicional da pena, “sursis”, ou o livramento condicional, o tempo do período de prova será contado, para efeito do pedido, sendo ainda necessário que o condenado tenha permanecido com seu domicílio no País durante os dois anos após o cumprimento ou extinção da pena.

É também indispensável para a procedência do pedido, que o condenado prove que, durante o período de dois anos, teve bom comportamento público e privado, sequer tendo contra si outras ações penais ou inquéritos policiais em curso, instaurados durante o prazo de dois anos, iniciado após a extinção da pena e ainda, que tenha ressarcido o dano causado pelo crime, salvo absoluta impossibilidade de fazê-lo ou provar que a vítima renunciou ao direito à indenização ou celebraram alguma transação nesse sentido.

A reabilitação poderá, também, “atingir os efeitos da condenação previstos no art. 92 deste Código, vedada reintegração na situação anterior, nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo", conforme parágrafo único do art. 93, CP, ou seja, o condenado não poderá exercer a mesma função ou o mesmo cargo público perdido em razão da condenação e também não voltará a exercer o pátrio-poder, o cargo de tutor, ou curador, em relação à vítima do crime.

A reabilitação fará com que o condenado readquira, sem restrição alguma, a habilitação para dirigir veículo automotor, perdida nos termos do art. 92, III do Cód. Penal.

Como já demonstrado, a reabilitação é condicional e, por isso, a sua revogação se dará, tanto de ofício como a requerimento do Ministério Público, caso o reabilitado venha a ser definitivamente condenado, como rein­cidente, a pena privativa de liberdade.

4. Qualquer absolvição criminal impede a reparação do dano?

O bom advogado é aquele que busca inocentar o seu cliente, réu em um processo, notadamente criminal.

Inocentar o acusado, notadamente quando funcionário público federal, é buscar a sua absolvição em dois únicos casos previstos no art.126. da Lei 8.112/90 (estatuto do servidor civil federal): “negativa de fato ou de autoria”.

Qualquer outra absolvição não evita que o funcionário público federal, demitido anteriormente em inquérito administrativo válido, a ele retorne com todas as vantagens.

Conforme art.386 do Código de Processo Penal, salvo o inciso “ I”, várias são as situações em que o Juiz absolverá o réu, sem conseguir, todavia, inocentá-lo, exatamente porque, em tais casos, há a realização de ação/omissão típica, ainda que lícita “verbis”:

“art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

I - estar provada a inexistência do fato;
II – não haver prova da existência do fato;
III – não constituir o fato infração penal;
IV – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
V – existir circunstâncias que exclua o crime ou isente o réu de pena (arts;17,18, 19, 22 e 24 § 1º,do Código Penal);
VI – não existir prova suficiente para a condenação.

Em se tratando de funcionário público, este está sujeito à tríplice responsabilidade: civil e penal, a que todo cidadão maior e capaz está sujeito, e à administrativa, em razão do seu cargo ou função.

O Estatuto do servidor público civil, notadamente o federal, é representado pela Lei nº 8.112/90 que traz os seus direitos e deveres, cogitando de inquérito administrativo para demissão por faltas ora consideradas meros ilícitos administrativos ora fatos também correspondentes a crime.

Diferentemente da instância criminal onde o magistrado para condenar o réu deverá ter cem por cento (100%) de certeza, porque está em jogo a liberdade do cidadão (“é melhor absolver um culpado do que condenar um inocente (Roberto Lyra) e “condenar um possível delinqüente é condenar um possível inocente” (Hungria), na instância administrativa, apesar de se assegurar ao acusado ampla defesa/contraditório e todos os recursos necessários, não precisa “excelência” de prova para a demissão, porque se combate mesmo a ética. Diria que “noventa por cento” é prova satisfatória para a punição do aspecto ético.

Como exemplo, tomemos o caso do ex-Presidente Fernando Collor de Melo, o “caçador de marajás”, que foi absolvido criminalmente pelo STF, porque não houve prova suficiente de sua participação criminosa nos fatos alegados na denúncia.

Mas. muito antes, sofrera seu impedimento perante o Congresso, sendo posto para fora da Presidência da República.

Se depois do seu impedimento pelo Parlamento, foi absolvido pelo STF, por falta de provas, porque não tentou ele anular, judicialmente, seu afastamento pelo Congresso e voltar ao cargo de Presidente da República? Exatamente porque o ilícito administrativo ficou evidenciado e não pressupõe sempre a prática de crime;não exige exuberância de prova, basta a grave falta de ética para a perda do cargo.

Por todas essas razões, afora a hipótese do item “I” do art. 386, do Código de Processo Penal (estar provada a inexistência do fato), as demais hipóteses, quais sejam: não haver prova da existência do fato; não constituir o fato infração penal; não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal; existir circunstâncias que exclua o crime ou isente o réu de pena (arts;17,18, 19, 22 e 24 § 1º,do Código Penal); não existir prova suficiente para a condenação, não interferem na decisão administrativa que puniu o servidor com pena de demissão ou cassação de aposentadoria. É o que se denomina de “independência das instâncias”.

Vejamos, pois, os dois únicos casos previstos no art. 126 da Lei nº8.112/90 em que o servidor público civil federal absolvido criminalmente retornará ao cargo, porque sequer há tipicidade, quanto mais ilicitude. São eles: o fato não existiu, ou, não foi ele o autor do fato, ou seja, negativa de fato ou de autoria.

A ilicitude e culpabilidade pressupõem a existência prévia de tipicidade.

Com efeito, se há efetivamente prova nos autos criminais de que sequer o fato típico ocorreu (“negativa de fato”), não podemos falar em ilicitude alguma. Nesse caso, além da vítima não poder demandar o réu por indenização alguma, pena de improcedência do pedido na instância civil, o réu absolvido (servidor federal) buscará ainda , via ação perante o juízo cível, sua reintegração ao cargo, com todas as vantagens.

Igualmente ocorrerá quando a sentença criminal absolver o réu afirmando categoricamente que não foi ele o autor do fato que lhe foi imputado na denúncia (“negativa de autoria”) que bem que poderia se encontrar também expressamente prevista no art. 386 do Código de Processo Penal.

Em se tratando de servidor civil público estadual e municipal, devemos tomar ciência das leis que regem seus servidores, eis que juiz nenhum é obrigado a conhecer de lei estadual ou municipal cabendo ao interessado que a invocar, comprovar suas existências/teor, conforme art. 337, do Código de Processo Civil . Todavia, acreditamos que o tratamento jurídico de ambos é o mesmo do servidor público federal porque, regra geral, os estatutos estaduais e municipais são cópias quase que fiéis da Lei nº 8.112/90.

5. Caberá indenização quando o réu agir de modo lícito, atuando como qualquer particular, sem ser funcionário público?

Sabemos que pelo art.23 do Cód.Penal, não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito, afora outras hipóteses previstas na parte especial do mesmo Código, como nos artigos 156 §2º, 128, 150 §3º,II, 142,V, 146 §3º,II.

Desde que não se trate de funcionário público praticando crime funcional ou utilizando-se do cargo ou da função, como vimos, a regra geral é a de que se o acusado praticou um fato lícito, não está legalmente obrigado a reparar o dano, porque não há se cogitar em lesão de bem jurídico algum.

Sobre o assunto, assim dispõe o art. 65 do Código de Processo Penal:

"Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito."

Entretanto, como toda regra tem exceção, mesmo tendo o autor do fato agido de modo lícito, excepcionalmente é cabível contra ele ação civil visando à reparação do dano. Vejamos.

a) Em “estado de necessidade” quando alguém é atingido ou sacrificada a coisa. Há tipicidade mas não há ilicitude. Se o dono da coisa ou a pessoa atingida não foram os responsáveis pela situação de perigo que ensejou o estado de necessidade do terceiro, terão eles sim direito ao ressarcimento do dano, cuja ação será contra o agente do fato típico, porém lícito, o que vale dizer, ninguém tem nada a ver com o estado de necessidade de outrem para o qual não concorreu. Este, ou seja, o terceiro causador do dano terá o direito de se ressarcir diante do causador da situação de perigo. É o que dispõem claramente os arts. 929 e 930 do Código Civil, respectivamente:”verbis”:

'art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro,contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado."
b) “Legítima Defesa”. Também há tipicidade mas não há ilicitude. Nesse situação, haverá direito à indenização no caso de o autor do fato que está sofrendo a agressão injusta, atual ou iminente, ao repeli-la, ainda que de modo moderado, atingir outra pessoa que não o seu agressor, por erro na execução ( aberratio ictus). Como matou terceiro que nada tinha a ver com a sua legítima defesa, a família do falecido poderá ajuizar ação para dele buscar a reparação civil.

Especificamente em relação ao funcionário público é incompatível querer se afirmar que ele, por exemplo, no crime de corrupção passiva ou outro funcional qualquer, tenha agido em legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito.

Todavia, é possível que cometa um peculato (art.312 Cód.Penal) em estado de necessidade, ou seja, em situação típica, porém lícita.

E aí vem a pergunta: funcionário público absolvido em crime de peculato, por se encontrar em “estado de necessidade” ou em situação de inexigibilidade de conduta diversa, poderá retornar ao cargo do qual fora administrativamente demitido em inquérito válido?

Como sabemos, em se tratando de servidor público federal, a absolvição por estado de necessidade, além de não impedir uma ação de indenização contra ele, mantém-se sua demissão determinada em inquérito administrativo válido, exatamente porque o art. 126 da Lei 8.112/90 só prevê a sua inocência, unicamente quando negado o fato ou a autoria. Fora dessas duas únicas hipóteses, o servidor publico federal não retornará ao cargo ou função do qual foi demitido.

Muito comumente algumas sentenças criminais que absolvem o réu afirmando que o fato não constitui crime, conduz ao menos avisado de que, em se tratando de funcionário público, ele poderá retornar ao serviço público.

O peculato de uso não é considerado crime funcional, salvo no específico caso de Prefeito conforme Dec. Lei nº201/67. Nesse caso dirá o juiz na sentença criminal que absolve o réu acusado de peculato de uso, porque o fato não constitui crime, ou seja, é atípica a sua conduta, mas fica mantida sua demissão anterior em inquérito administrativo válido, exatamente em face do art. 126 da Lei 8.112/90 já mencionado e porque o peculato de uso é um ilícito administrativo.

domingo, 4 de novembro de 2007

Francisco Maurício Barros Ribeiro* - Breves Considerações Acerca da Possibilidade do Julgamento Antecipado da Lide Penal


Breves Considerações Acerca da Possibilidade do Julgamento Antecipado da Lide Penal

*Bacharel em Direito. Analista Judiciário da Vara Única da Subseção Judiciária de Caxias/MA.

Estas breves considerações têm por escopo trazer à discussão o emprego de instrumentos que viabilizem a utilização do Processo Penal, como meio à efetiva aplicação do jus puniendi pelo Estado, com ênfase na aplicação do julgamento antecipado da lide penal.

O Processo Penal deve ser encarado como um instrumento posto à disposição do Estado para a realização do direito de punir. Portanto, deve trazer no seu bojo procedimentos que o tornem útil, célere e eficaz. Não se justifica o apego ao formalismo em nome do Estado, porquanto a sociedade está a reclamar ações efetivas e em consonância com a evolução social. Afinal, o Processo Penal tem sua razão finalística na utilidade pública.

Convém observar, que atento à utilidade do processo deve caminhar pari-passo o respeito às garantias constitucionais dos acusados. Por este prisma, não mais se justifica que os magistrados não enfrentem às questões, postas à discussão na lide penal, sob o argumento da inexistência de previsão legal, até por que no exercício da busca da verdade real, que ouso chamar de verdade processual, negar vigência ao estabelecido no art. 3º do Código de Processo Penal, ao dispor que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito”, demonstra a negação dos princípios da eficiência e da economia processual norteadores do Processo Penal moderno.

Na esteira dessa evolução social, o projeto de Lei nº 1.655/83, que institui o Código de Processo Penal já deu os primeiros sinais no sentido de firmar essa nova tendência do Processo Penal moderno, ao estabelecer em seu art. 254, verbis:

“Dar-se-á o julgamento antecipado da causa quando:

I – o Juiz, considerando plenamente provada a defesa do acusado, o absolver desde logo;
II – estiver extinta a punibilidade;
III – o acusado, inimputável por ser doente ou deficiente mental, tiver de ser isento de pena e submetido a medida de segurança, desde que tal fato se encontre devidamente comprovado.
III – o acusado em sua resposta, proceder na forma prevista no art. Art. 207, nº II.”.

Embora tal proposta não tenha sido aprovada, já demonstrava àquela época a preocupação dos operadores do direito em atender a finalidade precípua do processo penal, qual seja, a utilidade pública, observada os princípios da eficiência, da economia processual e das garantias individuais do acusado, e sobretudo o da dignidade humana.

Apesar dessa tendência de vanguarda, muitos operadores do direito, alguns de renome, grassam a inaplicabilidade do julgamento antecipado da lide penal por ausência de norma definidora, o que invariavelmente leva à não se admitir a existência do art 3º do Código de Processo Penal.

O julgamento antecipado da lide encontra previsão no Código de Processo Civil sem que haja disposição similar no Código de Processo Penal, entrementes, o art. 3º deste último diploma legal possibilita ao julgador integrar a norma processual penal com a aplicação da analogia e da interpretação extensiva, bem como, suplementá-la utilizando-se dos princípios gerais do direito.

Os céticos diriam da impossibilidade de se utilizar à analogia em sede de processo penal, uma vez que se encontra arraigada uma verdadeira aversão a qualquer inovação no processo que fuja das hostes que legalmente o delimitam. Todavia, não se pode concebê-lo como um fim em si mesmo, haja vista que é apenas instrumento de pacificação social. E diga-se que o próprio Código de Processo Penal autoriza a aplicação da analogia in bona partem, porém quando se trata de aplicá-la para obviar o processo encontra oposição. Resistência esta que não se justifica porque o Juiz deve lançar mão dos instrumentos postos à sua disposição para verdadeiramente aplicar a justiça de forma concreta, eficiente e eficaz, levando em conta as garantias individuais do acusado e a dignidade da pessoa humana.

Assim, não se justifica a prossecução de uma lide que se saiba inócua pelo simples fato da obediência estrita ao ritual previamente estabelecido. Não se coaduna com a atividade estatal hodierna infligir a uma pessoa que se saiba inocente, as agruras do processo sob o enfoque da submissão ao princípio da legalidade. O magistrado quando se convencer da verdade processual, atendido o direito de ampla defesa e o contraditório do acusado, bem como, se manifeste a acusação de forma inequívoca de que já produziu toda a prova necessária à formulação de sua pretensão acusatória, tenho que a verdade processual já foi encontrada, podendo, dessarte, o Juiz decretar a extinção do processo em qualquer fase que se encontre.

Acerca do tema trago a lume as lúcidas considerações do Professor e Procurador da República Luís Wanderley Gazoto:

“O prejuízo que o abreviamento da ação penal pode provocar é a obliteração do direito de produção de provas do Ministério Público ou da defesa; estando convencido o juiz da desnecessidade do prosseguimento do processo, deve decretar-lhe a extinção, em qualquer fase.

O pressuposto fundamental para o julgamento antecipado da lide é o convencimento judicial de que o processo já atingiu o seu escopo, ou seja, que a verdade real já foi encontrada.

A partir da existência do referido pressuposto, o emprego do julgamento antecipado poderá ocorrer em duas hipóteses básicas:

· quando os sujeitos processuais forem uníssonos em dispensar a instrução processual; ou
· quando houver abuso do direito de ação ou de defesa.

No primeiro caso, quando todos concordarem com a desnecessidade do prosseguimento do processo, e isto somente pode se dar com o consentimento expresso do membro do MP, do acusado e de seu defensor, o encerramento sumário da ação penal constituir-se-á em nulidade relativa autoconvalidável, considerando-se-a sanada pela aquiescência dos sujeitos processuais (combinação dos arts. 564 e 572, inc. III, do CPP).

No segundo caso, o juiz estará atuando como diretor e corregedor do processo e, ao abortar o abuso de direito, nada faz além de declarar a ausência de direito do prevaricador, que está tentando levar a ação à prescrição ou quer provar fato que já está provado ou que não se constitui em ponto controvertido. Também não se constituindo em nulidade absoluta, sendo corretas as razões judiciais que fundamentarem a decisão, hão que se aplicar as disposições dos arts. 563 e 566 do CPP, segundo as quais não será declarada a nulidade de ato processual de que não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, ou que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.” (1).
Corajosamente se vem enfrentado essa questão, não se pode mais aguardar as decisões das cortes superiores para se sedimentar os avanços sociais, o juiz de primeiro grau convive diretamente com as partes quando conduz o processo, é dele a verdadeira radiografia da questão sócio-jurídica posta a tablado. Não se concebe, pois, que não enfrente as causas de forma a implementar a verdadeira justiça e seja fomentador dessas discussões, não há que se temer o recurso. Não se trata de se desobedecer à lei ou aos conhecimentos jurídicos já consolidados, mas de se socializar a justiça. No que pertine à aplicação do julgamento antecipado da lide penal as nossas cortes já vêm aceitando, ainda que timidamente, para exemplificar colho do seguinte aresto:
“STJ(...)VI. Rejeitando-se as alegações concernentes à regularidade formal da peça pórtica, passa-se ao exame sobre se seria o caso de eventual conclusão sobre a improcedência da acusação, na forma do julgamento antecipado da lide.
VII. A improcedência só pode ser reconhecida quando evidenciada, estreme de dúvidas, a inviabilidade da instauração do processo, quando for possível afirmar-se, sem necessidade de formação de culpa, que a acusação não procede.
VIII. Na decisão final, a dúvida beneficia o réu e, nesta fase de recebimento da exordial, a dúvida beneficia a acusação.” (2)

Cumpre divisar, para melhor entendimento da questão, a aplicação do julgamento antecipado da lide penal antes da formação da culpa e após.

O Ministério Público enquanto dominus litis e fiscal da lei cabe promover a ação penal e por outra via assegurar sua correta aplicação, podendo inclusive pedir a absolvição do acusado. Daí se dizer que o Ministério Público é parte imparcial. A despeito dessas considerações já é assente na doutrina e na jurisprudência a mitigação de princípios inerentes à atividade do Parquet, dentre os quais citamos o da oportunidade e o da indisponibilidade da ação penal.

Antes da formação da culpa se o Ministério se convencer da inocência do acusado ou se ocorrer circunstâncias que o isentem de pena, nenhuma utilidade terá dar azo a instauração de ação penal, haja vista ser patente a ausência de sentido prático. Some-se a isso o engessamento da máquina judiciária, se despendendo tempo, material e trabalho que poderiam ser canalizados para questões que realmente estão a reclamar uma resposta rápida do Judiciário.

Após a instauração da ação penal para que ocorra a aplicação do julgamento antecipado é preciso que se convença o magistrado de que encontrou a verdade real, e que o Ministério Público já exauriu a persecução das provas que tinha interesse em colher, tudo isso sem descurar das garantias constitucionais dos acusados, notadamente a ampla defesa e o contraditório.

Para melhor entendimento lançamos mão do seguinte exemplo:

- Quando incidir prescrição em perspectiva – Tal situação ocorre, por exemplo, quando alguém incide nas penas do art. 55 da Lei nº 9.605 (garimpagem ilegal) que prevê uma pena de detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e vem a ser denunciado três anos e seis meses após o fato delituoso. Como o prazo prescricional nestes casos ocorre em quatro anos, clara é a impossibilidade do processo chegar a seu final sem que seja fulminado pela prescrição. Convém divisar que nesses casos há que se observar a pena in absctrato quando da verificação da prescrição retroativa sob pena de se condenar hipoteticamente o acusado para fazer incidir dessa forma a prescrição nos moldes do art. 110 e seus parágrafos do Código Penal, quando o correto e a verificação pela pena in absctrato. Assim o Promotor ao invés de oferecer a Denúncia deve requerer ao arquivamento do processo sob o argumento da ocorrência da prescrição retroativa. Por outro lado entendemos que se existir circunstâncias desfavoráveis que importem em exasperação da pena, desde que cabalmente demonstradas, é possível a aplicação da prescrição retroativa incidindo dessa forma o abreviamento do processo via julgamento antecipado. Tais situações podem ser aplicadas tanto antes da formação da culpa (arquivamento do inquérito) como no curso do processo (julgamento antecipado da lide) .

A aplicação subsidiária do Código de Processo Civil encontra expressa previsão em sede de processo penal, autorização esta firmada no art. 3º do CPP e na Lei de introdução ao Código Civil nos art. 4º e 5º. A analogia deve ser utilizada sempre que, havendo omissão legislativa, seja a sua aplicação favorável ao réu. Nesta situação se encontra o julgamento antecipado da lide penal. Por isso comungamos do entendimento que sempre que o processo deve obedecer ao princípio da utilidade pública, máxime da economia e eficiência processuais.

Por isso a conclusão segura que se extrai destas breves considerações é a necessidade premente de enfrentarmos as questões processuais desfocados do caráter pragmático-positivistas que negam ao cidadão a sua dignidade, na medida em que forçam a instauração de querelas inúteis e inócuas, estigmatizando gratuitamente o ser humano. Portanto, o julgamento antecipado da lide penal é medida que reclama reflexão e aplicação moderada, sem paixões ou radicalismo, mas na medida certa e em qualquer fase. Medida que entendemos ser possível quando clara a disposição das partes em prescindir da instrução processual e firme a disposição do magistrado em impedir abusos ou excessos, quer da defesa quer da acusação. Somando-se a isso o convencimento do magistrado de ter chegado à verdade processual.

(1) GAZOTO, Luís Wanderley, O Sistema Punitivo Brasileiro e os Anseios Populares Monografia vencedora do I Concurso Nacional promovido pelo Tribunal Regional Federal da 1.ª Região em 1996. - Texto extraído do site http://www.prdf.mpf.gov.br/~gazoto/sistpun.htm. Acessado em 22.10.03, às 17h e 45min.

(2) STJ – APN 195/RO; Relator Ministro GILSON DIPP; DJ DATA: 15/09/2003, p:00225.