domingo, 4 de novembro de 2007

Francisco Maurício Barros Ribeiro* - Breves Considerações Acerca da Possibilidade do Julgamento Antecipado da Lide Penal


Breves Considerações Acerca da Possibilidade do Julgamento Antecipado da Lide Penal

*Bacharel em Direito. Analista Judiciário da Vara Única da Subseção Judiciária de Caxias/MA.

Estas breves considerações têm por escopo trazer à discussão o emprego de instrumentos que viabilizem a utilização do Processo Penal, como meio à efetiva aplicação do jus puniendi pelo Estado, com ênfase na aplicação do julgamento antecipado da lide penal.

O Processo Penal deve ser encarado como um instrumento posto à disposição do Estado para a realização do direito de punir. Portanto, deve trazer no seu bojo procedimentos que o tornem útil, célere e eficaz. Não se justifica o apego ao formalismo em nome do Estado, porquanto a sociedade está a reclamar ações efetivas e em consonância com a evolução social. Afinal, o Processo Penal tem sua razão finalística na utilidade pública.

Convém observar, que atento à utilidade do processo deve caminhar pari-passo o respeito às garantias constitucionais dos acusados. Por este prisma, não mais se justifica que os magistrados não enfrentem às questões, postas à discussão na lide penal, sob o argumento da inexistência de previsão legal, até por que no exercício da busca da verdade real, que ouso chamar de verdade processual, negar vigência ao estabelecido no art. 3º do Código de Processo Penal, ao dispor que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito”, demonstra a negação dos princípios da eficiência e da economia processual norteadores do Processo Penal moderno.

Na esteira dessa evolução social, o projeto de Lei nº 1.655/83, que institui o Código de Processo Penal já deu os primeiros sinais no sentido de firmar essa nova tendência do Processo Penal moderno, ao estabelecer em seu art. 254, verbis:

“Dar-se-á o julgamento antecipado da causa quando:

I – o Juiz, considerando plenamente provada a defesa do acusado, o absolver desde logo;
II – estiver extinta a punibilidade;
III – o acusado, inimputável por ser doente ou deficiente mental, tiver de ser isento de pena e submetido a medida de segurança, desde que tal fato se encontre devidamente comprovado.
III – o acusado em sua resposta, proceder na forma prevista no art. Art. 207, nº II.”.

Embora tal proposta não tenha sido aprovada, já demonstrava àquela época a preocupação dos operadores do direito em atender a finalidade precípua do processo penal, qual seja, a utilidade pública, observada os princípios da eficiência, da economia processual e das garantias individuais do acusado, e sobretudo o da dignidade humana.

Apesar dessa tendência de vanguarda, muitos operadores do direito, alguns de renome, grassam a inaplicabilidade do julgamento antecipado da lide penal por ausência de norma definidora, o que invariavelmente leva à não se admitir a existência do art 3º do Código de Processo Penal.

O julgamento antecipado da lide encontra previsão no Código de Processo Civil sem que haja disposição similar no Código de Processo Penal, entrementes, o art. 3º deste último diploma legal possibilita ao julgador integrar a norma processual penal com a aplicação da analogia e da interpretação extensiva, bem como, suplementá-la utilizando-se dos princípios gerais do direito.

Os céticos diriam da impossibilidade de se utilizar à analogia em sede de processo penal, uma vez que se encontra arraigada uma verdadeira aversão a qualquer inovação no processo que fuja das hostes que legalmente o delimitam. Todavia, não se pode concebê-lo como um fim em si mesmo, haja vista que é apenas instrumento de pacificação social. E diga-se que o próprio Código de Processo Penal autoriza a aplicação da analogia in bona partem, porém quando se trata de aplicá-la para obviar o processo encontra oposição. Resistência esta que não se justifica porque o Juiz deve lançar mão dos instrumentos postos à sua disposição para verdadeiramente aplicar a justiça de forma concreta, eficiente e eficaz, levando em conta as garantias individuais do acusado e a dignidade da pessoa humana.

Assim, não se justifica a prossecução de uma lide que se saiba inócua pelo simples fato da obediência estrita ao ritual previamente estabelecido. Não se coaduna com a atividade estatal hodierna infligir a uma pessoa que se saiba inocente, as agruras do processo sob o enfoque da submissão ao princípio da legalidade. O magistrado quando se convencer da verdade processual, atendido o direito de ampla defesa e o contraditório do acusado, bem como, se manifeste a acusação de forma inequívoca de que já produziu toda a prova necessária à formulação de sua pretensão acusatória, tenho que a verdade processual já foi encontrada, podendo, dessarte, o Juiz decretar a extinção do processo em qualquer fase que se encontre.

Acerca do tema trago a lume as lúcidas considerações do Professor e Procurador da República Luís Wanderley Gazoto:

“O prejuízo que o abreviamento da ação penal pode provocar é a obliteração do direito de produção de provas do Ministério Público ou da defesa; estando convencido o juiz da desnecessidade do prosseguimento do processo, deve decretar-lhe a extinção, em qualquer fase.

O pressuposto fundamental para o julgamento antecipado da lide é o convencimento judicial de que o processo já atingiu o seu escopo, ou seja, que a verdade real já foi encontrada.

A partir da existência do referido pressuposto, o emprego do julgamento antecipado poderá ocorrer em duas hipóteses básicas:

· quando os sujeitos processuais forem uníssonos em dispensar a instrução processual; ou
· quando houver abuso do direito de ação ou de defesa.

No primeiro caso, quando todos concordarem com a desnecessidade do prosseguimento do processo, e isto somente pode se dar com o consentimento expresso do membro do MP, do acusado e de seu defensor, o encerramento sumário da ação penal constituir-se-á em nulidade relativa autoconvalidável, considerando-se-a sanada pela aquiescência dos sujeitos processuais (combinação dos arts. 564 e 572, inc. III, do CPP).

No segundo caso, o juiz estará atuando como diretor e corregedor do processo e, ao abortar o abuso de direito, nada faz além de declarar a ausência de direito do prevaricador, que está tentando levar a ação à prescrição ou quer provar fato que já está provado ou que não se constitui em ponto controvertido. Também não se constituindo em nulidade absoluta, sendo corretas as razões judiciais que fundamentarem a decisão, hão que se aplicar as disposições dos arts. 563 e 566 do CPP, segundo as quais não será declarada a nulidade de ato processual de que não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, ou que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.” (1).
Corajosamente se vem enfrentado essa questão, não se pode mais aguardar as decisões das cortes superiores para se sedimentar os avanços sociais, o juiz de primeiro grau convive diretamente com as partes quando conduz o processo, é dele a verdadeira radiografia da questão sócio-jurídica posta a tablado. Não se concebe, pois, que não enfrente as causas de forma a implementar a verdadeira justiça e seja fomentador dessas discussões, não há que se temer o recurso. Não se trata de se desobedecer à lei ou aos conhecimentos jurídicos já consolidados, mas de se socializar a justiça. No que pertine à aplicação do julgamento antecipado da lide penal as nossas cortes já vêm aceitando, ainda que timidamente, para exemplificar colho do seguinte aresto:
“STJ(...)VI. Rejeitando-se as alegações concernentes à regularidade formal da peça pórtica, passa-se ao exame sobre se seria o caso de eventual conclusão sobre a improcedência da acusação, na forma do julgamento antecipado da lide.
VII. A improcedência só pode ser reconhecida quando evidenciada, estreme de dúvidas, a inviabilidade da instauração do processo, quando for possível afirmar-se, sem necessidade de formação de culpa, que a acusação não procede.
VIII. Na decisão final, a dúvida beneficia o réu e, nesta fase de recebimento da exordial, a dúvida beneficia a acusação.” (2)

Cumpre divisar, para melhor entendimento da questão, a aplicação do julgamento antecipado da lide penal antes da formação da culpa e após.

O Ministério Público enquanto dominus litis e fiscal da lei cabe promover a ação penal e por outra via assegurar sua correta aplicação, podendo inclusive pedir a absolvição do acusado. Daí se dizer que o Ministério Público é parte imparcial. A despeito dessas considerações já é assente na doutrina e na jurisprudência a mitigação de princípios inerentes à atividade do Parquet, dentre os quais citamos o da oportunidade e o da indisponibilidade da ação penal.

Antes da formação da culpa se o Ministério se convencer da inocência do acusado ou se ocorrer circunstâncias que o isentem de pena, nenhuma utilidade terá dar azo a instauração de ação penal, haja vista ser patente a ausência de sentido prático. Some-se a isso o engessamento da máquina judiciária, se despendendo tempo, material e trabalho que poderiam ser canalizados para questões que realmente estão a reclamar uma resposta rápida do Judiciário.

Após a instauração da ação penal para que ocorra a aplicação do julgamento antecipado é preciso que se convença o magistrado de que encontrou a verdade real, e que o Ministério Público já exauriu a persecução das provas que tinha interesse em colher, tudo isso sem descurar das garantias constitucionais dos acusados, notadamente a ampla defesa e o contraditório.

Para melhor entendimento lançamos mão do seguinte exemplo:

- Quando incidir prescrição em perspectiva – Tal situação ocorre, por exemplo, quando alguém incide nas penas do art. 55 da Lei nº 9.605 (garimpagem ilegal) que prevê uma pena de detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e vem a ser denunciado três anos e seis meses após o fato delituoso. Como o prazo prescricional nestes casos ocorre em quatro anos, clara é a impossibilidade do processo chegar a seu final sem que seja fulminado pela prescrição. Convém divisar que nesses casos há que se observar a pena in absctrato quando da verificação da prescrição retroativa sob pena de se condenar hipoteticamente o acusado para fazer incidir dessa forma a prescrição nos moldes do art. 110 e seus parágrafos do Código Penal, quando o correto e a verificação pela pena in absctrato. Assim o Promotor ao invés de oferecer a Denúncia deve requerer ao arquivamento do processo sob o argumento da ocorrência da prescrição retroativa. Por outro lado entendemos que se existir circunstâncias desfavoráveis que importem em exasperação da pena, desde que cabalmente demonstradas, é possível a aplicação da prescrição retroativa incidindo dessa forma o abreviamento do processo via julgamento antecipado. Tais situações podem ser aplicadas tanto antes da formação da culpa (arquivamento do inquérito) como no curso do processo (julgamento antecipado da lide) .

A aplicação subsidiária do Código de Processo Civil encontra expressa previsão em sede de processo penal, autorização esta firmada no art. 3º do CPP e na Lei de introdução ao Código Civil nos art. 4º e 5º. A analogia deve ser utilizada sempre que, havendo omissão legislativa, seja a sua aplicação favorável ao réu. Nesta situação se encontra o julgamento antecipado da lide penal. Por isso comungamos do entendimento que sempre que o processo deve obedecer ao princípio da utilidade pública, máxime da economia e eficiência processuais.

Por isso a conclusão segura que se extrai destas breves considerações é a necessidade premente de enfrentarmos as questões processuais desfocados do caráter pragmático-positivistas que negam ao cidadão a sua dignidade, na medida em que forçam a instauração de querelas inúteis e inócuas, estigmatizando gratuitamente o ser humano. Portanto, o julgamento antecipado da lide penal é medida que reclama reflexão e aplicação moderada, sem paixões ou radicalismo, mas na medida certa e em qualquer fase. Medida que entendemos ser possível quando clara a disposição das partes em prescindir da instrução processual e firme a disposição do magistrado em impedir abusos ou excessos, quer da defesa quer da acusação. Somando-se a isso o convencimento do magistrado de ter chegado à verdade processual.

(1) GAZOTO, Luís Wanderley, O Sistema Punitivo Brasileiro e os Anseios Populares Monografia vencedora do I Concurso Nacional promovido pelo Tribunal Regional Federal da 1.ª Região em 1996. - Texto extraído do site http://www.prdf.mpf.gov.br/~gazoto/sistpun.htm. Acessado em 22.10.03, às 17h e 45min.

(2) STJ – APN 195/RO; Relator Ministro GILSON DIPP; DJ DATA: 15/09/2003, p:00225.

Um comentário:

RUBEM FILHO disse...

Com muita alegria que se publica neste espaço o artigo do servidor Francisco Maurício, primeiro não exercente da Magistratura Federal a ocupar este espaço.
Está de parabéns o Francisco Maurício, inclusive pela escolha do tema, cujo interesse é da maior relevância para os que militam nas lides penais.
Rubem