sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Arthur Pinheiro Chaves* - O Sistema de Reserva de Vagas por Cota Racial nas Universidades Públicas Brasileiras


O Sistema de Reserva de Vagas por Cota Racial nas Universidades Públicas Brasileiras

* Juiz Federal Substituto da 1ª Vara da Seção Judiciária do Pará

1 – Introdução e aspectos históricos:

Tramita no Congresso Nacional, entre outros, Projeto de Lei nº 3.627/2004, encaminhado pelo Poder Executivo Federal, cuja ementa é a que segue: “Institui Sistema Especial de Reserva de Vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior e dá outras providências”. A utilização do sistema de reserva de cotas de vagas, mormente o baseado em critério racial, para acesso às universidades públicas brasileiras, tem sido objeto de muita controvérsia entre os agentes envolvidos, inclusive no âmbito judicial.

Referido sistema se insere em um conjunto de ações denominadas de afirmativas, de políticas compensatórias ou de ações de discriminação positiva, visando reparar danos causados a grupos vítimas de algum tipo de discriminação, de forma a reduzir diferenças existentes entre aqueles e os demais membros do corpo social.

Tais ações afirmativas aparecem num contexto histórico específico nos Estados Unidos, após a aprovação do Ato de Direitos Civis, em 1964, pelo Congresso daquele país, e a assinatura da Ordem Executiva 11.246, de 1965, pelo presidente Lyndon Johnson.

Naquele contexto original, uma ação afirmativa, tanto no campo educacional como no do emprego, ocorre "sempre que pessoas agem de forma deliberada, positivamente, para aumentar a chance de que verdadeira igualdade seja atingida entre membros de categorias diferentes".

No que concerne ao acesso ao ensino superior, o processo não ocorreu sem problemas, sem questionamentos, inclusive judiciais, da mesma forma como vem acontecendo no Brasil. O marco fundamental foi a decisão da Corte Suprema no caso Universidade da Califórnia v. Bakke, de 1978. Alan Bakke acionou a Escola de Medicina em Davis por ter sido preterido em favor de candidatos de minorias étnicas/raciais.

A Escola reservava 16 das 100 vagas anuais exclusivamente para as minorias. Uma vara cível local deu ganho a Bakke, determinando seu ingresso. A universidade recorreu à Corte Suprema, e perdeu. A decisão, tomada por maioria, considerou o sistema como um sistema de cotas, ilegal segundo a Constituição Americana, pois a universidade "diz aos candidatos que não são negros, asiáticos [...] que eles estão totalmente excluídos de uma porcentagem específica das vagas de uma turma inicial". Porém, em seguida, afirma categoricamente que não se deve considerar ilegal, como conseqüência desta decisão, qualquer sistema que considere raça ou origem étnica como parte da seleção dos estudantes.


2 – Análise da controvérsia e conclusão:

Da breve análise histórica, percebe-se que as ações afirmativas consistem, em ultima instância, em meio de concretização do princípio da igualdade, que pressupõe que a realização da efetiva isonomia implica em proporcionar a igualdade de oportunidades, demandando, em determinadas hipóteses de relevante discrepância entre os atores sociais, a adoção de meios excepcionais, de forma a tornar possível a superação das diferenças, igualando desiguais na medida de suas desigualdades, conforme ensinamento de Rui Barbosa, repetindo Aristóteles.

No direito pátrio, tais ações encontram respaldo no Texto Constitucional, que estabelece como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III da Constituição).

Nesse sentido, inserindo-se no contexto das ações afirmativas mencionadas, a adoção do sistema de cotas se justificaria ante a dívida histórica existente na sociedade brasileira em relação a determinados grupos, tais como os indígenas e os afro-descendentes, por situações como a escravidão e a segregação, com efeitos até os dias atuais, consistente, inclusive, em maior dificuldade de ascensão social.

Do outro lado da discussão, se põe o sistema de mérito no acesso às universidades públicas, fundamental para que a universidade possa desempenhar adequadamente a sua missão, recrutando os melhores talentos, aferidos, na medida do possível, através de critérios objetivos e impessoais (art. 206, VI e VII da CF/88).

Percebe-se, portanto, a existência de conflito de valores. Em tais situações, o moderno direito constitucional preconiza a adoção de técnica denominada de ponderação de valores, significando dizer que o intérprete ou aplicador da norma fundamental deve fazer concessões recíprocas entre os valores em confronto, preservando o núcleo mínimo de cada um, com base no princípio da razoabilidade, adotando, na solução do conflito, medida adequada ao fim a que se destina, sem restringir excessivamente o direito de outrem, trazendo benefício superior ao dano que acarreta.

Na hipótese que se analisa, o juízo de ponderação deve recair sobre o fator de discriminação aplicado nas cotas. A adoção de reserva de vaga com cota de percentual elevado, acima de 40%, por exemplo, demonstra-se injusta e pouco razoável, não se adequando ao fim visado, trazendo como conseqüência a queda geral do nível de ensino.

Viola, ademais, em grau excessivo e ilegítimo, o princípio da igualdade, acarretando um mal superior ao benefício que possa eventualmente trazer, podendo reavivar, ademais, preconceitos latentes entre grupos em oposição, beneficiados e não-beneficiados pelo sistema de reserva de vaga.

Dessa forma, mostra-se defensável, como ponderação razoável, uma cota de até 20%, apta a permitir a ascensão social do segmento tido por desfavorecido, sem frustrar os objetivos do ensino universitário.

Outro aspecto que merece ser ponderado é o concernente ao critério adotado. Um critério exclusivamente étnico dá ensejo a subjetivismos e distorções, mormente em face da miscigenação entre nós presente. Não obstante o débito histórico-social já apontado, a adoção de fator como a circunstância de o aluno ser oriundo de escola pública, além de refletir ao certo parcela menos favorecida da população, sem necessidade de maiores estudos estatísticos, emerge como critério mais objetivo, atendendo ao desiderato constitucional de redução das desigualdades e proporcionando à parcela de cidadãos mais pobres o acesso à educação, como meio de crescimento individual e do país.

BIBLIOGRAFIA

BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora – 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 1998.

BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Editora Dicopel.

Words Worth of Wisdom: Toward an Understanding of Affimative Action, F. J. Crosby & D. I. Cordova, em Sex, Race and Merit, Ed. F. J. Crosby, C. VanDerMeer, Univ. Michigan Press, 2000).(dados extraídos de página WEB da Universidade de Michigan sobre o assunto, http://www.lib.umich.edu/govdocs/affirm.html)

3 comentários:

RUBEM FILHO disse...

Parabéns ao colega Arthur por trazer à discussão tema tão relevante e efervescente no momento, o qual vem exigindo um esforço hercúleo e grande sensibilidade por parte dos operadores que o enfrentam.
Rubem

Fagianni Miranda disse...

Estimado Rubem,
Parabéns pelo blog. Excelente idéia! Descobri-lo recentemente e desde então tenho lido com frequência.
Fagianni Viana de Miranda
TRE/MA - Assessor Jurídico do Pleno

cesamegar disse...

ola V.Exª, achei interessante seus comentarios sobre a porcentagem aceitaval, para a implantação das cotas e o risco ao desempenho academico.
entretanto, permitame fazer algumas considerações:
1 - 20% um indice de aceitação, não refletiria a proporcionalidade dos individuos que se deseja incluir, frente ao quantitativo populacional nacional. Ou seja, o s afro-brasileiros, cidadãos que o são, representam 49,1% da população brasileira, e por que não devem tem acesso à educação neste percentual. desculpa da queda no nivel educacional, não se sustenta, visto que, as atuais pesquisas mostrar que os cotistas tem rendimento superior à media do academicos.
lovavel suas considerações, mas devemos entender que tratar os desiguais na medida de suas desigualdades, é propiciar que esta minoria (maioria populacional), deve ter acesso na medida da exclusão que experimentam. Por fim, o mérito, aventado por V.Exª para ingresso às universidades publicas, é um meio de exclusão por excelencia, e so afere a mérito do momento e não merito da trajetoria. è preciso urgentemente incluir e melhorar as condições sociais destas minorias para que a nação colha louros futuros e exerça a verdadeira democracia.
desde ja, extimo os mais elevados sentimentos