domingo, 29 de julho de 2007

Rubem Lima de Paula Filho* - Repensando a Súmula nº 276, do Superior Tribunal de Justiça


A COFINS E AS SOCIEDADES CIVIS DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS: REPENSANDO A SÚMULA Nº 276, DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

* Juiz Federal Substituto da Seção Judiciária do Maranhão
1. Introdução. 2. A Legislação a ser Analisada e o Histórico da Problemática. 3. Análise da Súmula 276 do Superior Tribunal de Justiça em face da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 4. Conclusão.


RESUMO

Estudo breve acerca da incidência da COFINS sobre as receitas decorrentes das sociedades civis de que trata o art. 1º do Decreto-lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987, enfocando especialmente a compatibilidade da Súmula nº 276, do Superior Tribunal de Justiça com a Jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Federal.

PALAVRAS-CHAVE
Constitucional. Tributário. Contribuição Social. COFINS. Sociedades Civis. Decreto-lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987. Superior Tribunal de Justiça. Cancelamento. Revisão. Súmula nº 276. Incompatibilidade. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo a análise de um dos temas de maior conhecimento e polêmica no âmbito da Justiça Comum Federal, mais precisamente na seara constitucional-tributária. Falo acerca da incidência da Contribuição para a Seguridade Social – COFINS sobre as receitas decorrentes das sociedades civis de que trata o art. 1º do Decreto-lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987.

O tema em destaque ganha relevância uma vez que, inobstante o entendimento já firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, através da edição de sua Súmula nº 276, o Poder Executivo, por meio da Secretaria da Receita Federal, entende não mais subsistir o fenômeno isentivo, haja vista a aceitação administrativa plena da revogação do artigo 6º, inciso II, da Lei Complementar nº 70/91 pelo artigo 56, da Lei nº 9.430/96, o que será melhor explicitado no desenvolvimento da questão.

Não se limitará o presente estudo, no entanto, apenas a expor a problemática da situação, mas, também, a identificar os motivos que levaram à edição da Súmula nº 276, acima destacada, bem como traçar um juízo de conformação entre o entendimento jurisprudencial expresso no referido enunciado e o modo como o Supremo Tribunal Federal vem encarando a subsunção constitucional dos elementos que estruturam as contribuições para a Seguridade Social.

2. A LEGISLAÇÃO A SER ANALISADA E O HISTÓRICO DA PROBLEMÁTICA

Inúmeros são os mandados de segurança impetrados e as ações sob o rito ordinário ajuizadas objetivando a declaração de inexistência de relação jurídica entre as autoras, sociedades civis de profissão legalmente regulamentada, e a União, tendo por supedâneo a isenção prevista no art. 6º, II, da Lei Complementar nº 70/91, malferida pelos ditames do art. 56, da Lei nº 9.430/96, os quais, respectivamente, têm as seguintes redações:

São isentas da contribuição;
(...)
II – as sociedades civis de que trata o art. 1º do Decreto-lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987.

As sociedades de prestação de serviços de profissão legalmente regulamentada passam a contribuir para seguridade social com base na receita bruta da prestação de serviços, observadas as normas da Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991.

Com o advento da Lei Complementar nº 70/91, foi levada a termo a situação de transitoriedade estipulada no artigo 56, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, mantenedor da contribuição do FINSOCIAL, regulamentando-se a previsão constitucional de que incidiria contribuição social sobre o faturamento das pessoas jurídicas, nascendo, desta forma, a COFINS.

Como já transcrito acima, referido texto legal criou isenção em seu artigo 6º, abarcando com a benesse legal as sociedades civis de que trata o artigo 1º, do Decreto-lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987, o qual tem a seguinte disposição:

A partir do exercício de 1989, não incidirá o Imposto de Renda das pessoas jurídicas sobre o lucro apurado, no encerramento de cada período-base, pelas sociedades civis de prestação de serviços regulamentada, registradas no registro civil das pessoas jurídicas e constituídas exclusivamente por pessoas físicas domiciliadas no país.

Logo o Poder Judiciário foi procurado pelas sociedades civis que se entendiam como destinatárias da isenção já examinada, uma vez que a Secretaria da Receita Federal estabelecera um óbice manifestamente ilegal para sua fruição, qual seja, a imprescindibilidade de que as interessadas se sujeitassem ao regime jurídico tributário do Imposto de Renda, como asseverado no Decreto-lei nº 2.397/87.

Em boa hora, então, os Tribunais Regionais Federais firmaram entendimento de que nenhuma relação haveria entre a isenção da COFINS (art. 6º, II, LC 70/91) e o regime jurídico tributário determinado no art. 1º, do DL 2.397/87, servindo este apenas como elemento indicador de quais entidades seriam beneficiadas pelo favor legal. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, bem recepcionou o entendimento enfocado, conforme expresso no julgamento dos Recursos Especiais nºs 209.629/MG[1], 192.156/PE[2], 260.960/RS[3], 221.710/RJ[4] etc.

Em seguida à discussão em tela, o advento da Lei nº 9.430/96 trouxe nova questão ao Poder Judiciário, desta vez acerca da revogação ou não do art. 6º, II, da LC 70/91 pelo art. 56 daquela, onde se determinou o recolhimento da COFINS por parte das sociedades civis elencadas no art. 1º, do DL 2.397/87.

O Poder Judiciário Federal filiou-se, de forma não uníssona, ao entendimento apresentado pelas então autoras e impetrantes, no sentido de que, em virtude do Princípio da Hierarquia das Normas Jurídicas, não poderia a lei ordinária alterar os ditames já previstos em sede de lei complementar, cujo processo genético é mais dificultoso.

Após inúmeros julgamentos semelhantes, em Sessão realizada em 14 de maio de 2003, decidiu a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça pela emissão da Súmula de número 276, com a seguinte redação: “As sociedades civis de prestação de serviços profissionais são isentas de COFINS, irrelevante o regime tributário adotado”.

Este, pois, o quadro atual da Jurisprudência a respeito do tema, sendo que o mesmo serve de fundamento às causas de pedir das ações cujos ajuizamentos se noticiam acima.

3. ANÁLISE DA SÚMULA 276 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM FACE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Nos feitos judiciais aludidos, a Fazenda Nacional e as autoridades impetrantes, via de regra, sustentam que a Súmula nº 276 somente teve por escopo declarar que a isenção ali prevista não impunha nenhuma condição para gozo, não afetando a validade da revogação da Lei Complementar nº 70/91 pela Lei nº 9.430/96, posto que aquela se configura materialmente como ordinária.

No que tange à primeira das argumentações, tenho-a como desprovida de substrato fático e jurídico.

O teor da Súmula nº 276, do STJ é claro o suficiente para que dele se extraia que a Corte de Unificação do Direito Federal teve a intenção de declarar a isenção das sociedades civis de prestação de serviços profissionais quanto ao recolhimento da COFINS. A conclusão final – irrelevante o regime tributário adotado – somente serviu para lançar uma pá de cal sobre as exigências anteriormente efetuadas pela Receita Federal. Ademais, em leitura aos votos proferidos nos julgamentos que serviram de precedentes à enunciação da Súmula (Agravos Regimentais nos Recursos Especiais nºs 226.386/PR[5], 297.461/PR[6], 422.342/PR[7] etc e Recursos Especiais nºs 227.939/SC[8], 260.960/RS[9] etc), verifica-se que a motivação primeira foi a necessidade de garantir a supremacia da Lei Complementar sobre a Lei Ordinária, em virtude da complexidade do processo legislativo daquela, enquanto a matéria referente ao regime tributário das beneficiadas com a isenção tramitou em um segundo plano.

Relativamente à qualificação da Lei Complementar nº 70/91 como materialmente ordinária, uma análise mais cuidadosa é exigida nesta parte do estudo.
Aventam a União e as autoridades coatoras que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 01/DF, firmou o entendimento de que, por haver expressa previsão constitucional para a tributação do faturamento (art. 195, I, em sua redação original), através de contribuição social, não haveria necessidade de que a regulamentação de tal regramento se fizesse por meio de lei complementar, tratando-se, na verdade, a Lei Complementar nº 70/91, de norma materialmente ordinária, podendo ser, destarte, alterada por outra de igual estatura material.

De fato, as asserções do ente público são coerentes com a posição firmada pela Corte Constitucional Pátria.

Com efeito, quando do julgamento da ADC nº 01/DF, o STF decidiu pela configuração material ordinária da Lei Complementar nº 70/91. Transcrevo, na oportunidade, excerto do Voto proferido pelo Ministro Moreira Alves, naquela ocasião:
Sucede, porém, que a contribuição social em causa, incidente sobre o faturamento dos empregadores, é admitida expressamente pelo inciso I do artigo 195 da Carta Magna, não se podendo pretender, portanto, que a Lei Complementar nº 70/91 tenha criado outra fonte de renda destinada a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social.
Por isso mesmo, essa contribuição poderia ser instituída por Lei ordinária. A circunstância de ter sido instituída por lei formalmente complementar – Lei Complementar nº 70/91 – não lhe dá, evidentemente, a natureza de contribuição social nova, a que se aplicaria o disposto no §4º do artigo 195 da Constituição, porquanto essa lei, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída – que são objeto desta ação – , é materialmente ordinária, por não tratar, nesse particular, de matéria reservada, por texto expresso da Constituição, à lei complementar. A jurisprudência desta Corte, sob o império da Emenda Constitucional nº 1/69 – e a Constituição atual não alterou esse sistema -, se firmou no sentido de que só se exige lei complementar para as matérias para cuja disciplina a Constituição expressamente faz tal exigência, e, se porventura a matéria, disciplinada por lei cujo processo legislativo observado tenha sido o da lei complementar, não seja daquelas para que a Carta Magna exige essa modalidade legislativa, os dispositivos que tratam dela se têm como dispositivos de lei ordinária.[10] “grifo nosso”

Assim, importa aferir a repercussão que tal julgamento provoca no conhecimento da matéria tratada neste estudo, tornando-se, por certo, o busílis.

Analisando os precedentes que deram azo à enunciação da Súmula de Jurisprudência nº 276, do Superior Tribunal de Justiça, verificou-se que as decisões limitaram-se a proclamar a superioridade hierárquica da lei complementar em face da lei ordinária, ante a complexidade do processo de elaboração e também a desnecessidade de adequação do regime tributário para usufruto do benefício da isenção. Em momento algum, a posição firmada pelo STF quando do julgamento da ADC 01/DF foi trazida à baila.

Todavia, somente após a edição da Súmula nº 276, o Superior Tribunal de Justiça, mais precisamente a Primeira Turma, sob a Presidência da Ministra Eliana Calmon, conheceu da matéria.

Tratava-se, na oportunidade, do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 382.736-SC, sob a Relatoria no Eminente Ministro Castro Meira. Na oportunidade, a Turma ratificou, majoritariamente, o entendimento já exposto na Súmula nº 276.

Por sua importância, merece comentários o julgamento em apreço.

Na ocasião, o Relator, Ministro Castro Meira, acompanhado do Ministro Teori Albino Zavascki, votaram pela revisão da Súmula em destaque, tendo em vista o manifesto confronto redacional da mesma com o entendimento já sufragado pelo STF, propondo, inclusive, que sua redação fosse a seguinte: “As sociedades civis de prestação de serviços profissionais, até o advento da Lei nº 9.430/96, são isentas da COFINS, irrelevante o regime tributário adotado”.

Como se vê, Suas Excelências reconheceram a caracterização material de lei ordinária à Lei Complementar nº 70/91, autorizando-lhe modificações mediante aquele instrumento legal.

Inobstante as conclusões acima, a tese não logrou êxito em sagrar-se vencedora, sucumbindo ao entendimento já sufragado na Súmula nº 276.

O Voto Condutor foi da lavra do Ministro Peçanha Martins, a quem peço vênia para transcrever e analisar:

Sra. Ministra Presidente, chegou às minhas mãos um acórdão do Supremo Tribunal Federal, da lavra do eminente Ministro Carlos Mário Velloso, declarando que a competência para o julgamento desta matéria é do Superior Tribunal de Justiça. Significa dizer que, pelo menos em princípio, aquele eminente Magistrado, constitucionalista que é, não reconheceu na hipótese a competência, pelo menos exclusiva, do Supremo Tribunal Federal. Essa é a lição que extraio daquela decisão.
Estiveram comigo os ilustres representantes da Fazenda Nacional e dos advogados. Conversamos, como faço para me esclarecer. As leis são hierarquizadas. Temos a Constituição, leis complementares, leis ordinárias, decretos-leis, decretos, portarias... À lei complementar, nos termos da Constituição, cabe:
“art. 146: ... definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculos e contribuintes.”
No caso em discussão, a lei complementar não fez incidir o tributo àquelas sociedades de advogados. Indaga-se: Podia fazê-lo? Nos termos da Constituição, podia, porque as pessoas físicas e jurídicas são as contribuintes de modo geral, mas não o fez quanto aos advogados.
O que, parece-me, declarou o Supremo Tribunal Federal com relação à possibilidade de alteração de leis complementares por leis ordinárias diz respeito à alíquota e só quanto a ela. É que, na dicção do art. 146, a definição dos contribuintes dos tributos é matéria reservada à lei complementar.
Há que ser levada em conta, a natureza das leis e as pessoas a que se destinam a lei; e, em princípio, há de ser levado também em conta que o Código Tributário Nacional não foi votado pelo Congresso Nacional como lei complementar. Foi como tal, definido pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Suas regras gerais e suas normas podem ser alteradas por leis especiais ou por lei que não tenham a característica de complementares. Mas a lei complementar que definiu quais os contribuintes, parece-me, não poderia ser modificada por lei ordinária ou qualquer outra lei ordinária, porque contraria o disposto no art. 146, III, a, da CF/88.
Somente a lei complementar, para cuja aprovação exige-se maioria -absoluta (art. 69, CF), pode definir os tributos e suas espécies e, quanto aos impostos discriminados na Constituição, “a dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes” (art. 146, III, “a”, CF).
Ora, como admitir-se possa a lei complementar ser alterada por lei ordinária para incluir novos contribuintes de tributos?
Por essas razões e pedindo vênia aos que pensam em contrário, sou pela manutenção da Súmula e nego provimento ao agravo regimental.[11] “grifo nosso”.

Como se vê, portanto, o exercício hermenêutico efetivado acima prima pela autenticidade, uma vez que emanado pela mesma Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, da qual a Primeira Turma faz parte, de onde se originou o entendimento expresso na Súmula nº 276.

Objetivando afastar a possibilidade de a lei complementar ser alterada por lei ordinária, assim se manifestou o prolator do Voto Condutor: “..O que, parece-me, declarou o Supremo Tribunal Federal com relação à possibilidade de alteração de leis complementares por leis ordinárias diz respeito à alíquota e só quanto a ela. É que, na dicção do art. 146, a definição dos contribuintes dos tributos é matéria reservada à lei complementar...”.

Conquanto se reconheça a autoridade jurídica do Eminente Ministro Peçanha Martins, o que é fato notório, ousa-se discordar de sua posição acerca do tema, uma vez que, a princípio, em manifesto confronto com a Jurisprudência firmada no âmbito do Supremo Tribunal Federal Federal, no que concerne ao instrumento legal destinado a regulamentar os elementos estruturantes das contribuições para fomento da Seguridade Social.

O problema já foi examinado pelo Excelso Pretório, o qual, através do ínclito Ministro Carlos Velloso, em Voto proferido no julgamento do Recurso Extraordinário nº 138.284-8/CE, se manifestou da seguinte forma:

“Todas as contribuições, sem exceção, sujeitam-se à lei complementar de normas gerais, assim ao CTN (art. 146, III, ex vi do disposto no art. 149). Isto não quer dizer que a instituição dessas contribuições exige lei complementar: porque não são impostos, não há exigência no sentido de que os seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuinte estejam definidos na lei complementar (art. 146, III, a).
(...)
A norma matriz das contribuições sociais, bem assim das contribuições de intervenção e das contribuições corporativas, é o art. 149 da Constituição Federal. O artigo 149 sujeita tais contribuições, todas elas, à lei complementar de normas gerais (art. 146, III). Isto, entretanto, não quer dizer, também já falamos, que somente lei complementar pode instituir tais contribuições. Elas se sujeitam, é certo, à lei complementar de normas gerais (art. 146, III). Todavia, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina os seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (art. 146, III, “a”). Somente para aqueles que entendem que a contribuição é imposto é que a exigência teria cabimento. Essa é, aliás, a lição sempre precisa do eminente SACHA CALMON NAVARRO COELHO, hoje professor titular da UFMG (Sacha Calmon Navarro Coelho, “Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário”, Forense, 1990, págs. 145/146).[12] “grifo nosso”.

Como se vê, a questão encontra-se sedimentada em sede jurisprudencial, a qual se mantém firme no sentido de que desnecessária a edição de lei complementar, inobstante o silêncio do Código Tributário Nacional, para definição de fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes das contribuições sociais, caso da COFINS.
Peço licença para transcrever mais uma ementa a respeito:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEBRAE: CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. Lei 8.029, de 12.4.1990, art. 8º, § 3º. Lei 8.154, de 28.12.1990. Lei 10.668, de 14.5.2003. C.F., art. 146, III; art. 149; art. 154, I; art. 195, § 4º.
I. - As contribuições do art. 149, C.F. - contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas - posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, C.F., isto não quer dizer que deverão ser instituídas por lei complementar. A contribuição social do art. 195, § 4º, C.F., decorrente de "outras fontes", é que, para a sua instituição, será observada a técnica da competência residual da União: C.F., art. 154, I, ex vi do disposto no art. 195, § 4º. A contribuição não é imposto. Por isso, não se exige que a lei complementar defina a sua hipótese de incidência, a base imponível e contribuintes: C.F., art. 146, III, a. Precedentes: RE 138.284/CE, Ministro Carlos Velloso, RTJ 143/313; RE 146.733/SP, Ministro Moreira Alves, RTJ 143/684.
II. - A contribuição do SEBRAE 3/4 Lei 8.029/90, art. 8º, § 3º, redação das Leis 8.154/90 e 10.668/2003 - é contribuição de intervenção no domínio econômico, não obstante a lei a ela se referir como adicional às alíquotas das contribuições sociais gerais relativas às entidades de que trata o art. 1º do D.L. 2.318/86, SESI, SENAI, SESC, SENAC. Não se inclui, portanto, a contribuição do SEBRAE, no rol do art. 240, C.F.
III. - Constitucionalidade da contribuição do SEBRAE. Constitucionalidade, portanto, do § 3º, do art. 8º, da Lei 8.029/90, com a redação das Leis 8.154/90 e 10.668/2003.
IV. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido.[13] “grifo nosso”.

Diante de tal posicionamento da Corte Suprema, coerente com a melhor interpretação dada ao Texto Constitucional, torna-se imperioso afirmar que a necessidade de instituição de normas gerais, através de lei complementar, que definam fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes, nos termos do art. 146, III, “a”, da CF/88, não se aplica às contribuições sociais para a Seguridade Social.

Só por este motivo, pode-se declarar desprovidas de fundamento constitucional as conclusões exaradas no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 382.736/SC, posto que a definição de contribuintes, por via transversa, também abrange a concessão de isenção, matéria, como se vê, afeta à lei ordinária.

Não tem, desta feita, a lei complementar o espectro proclamado pelo Eminente Ministro do STJ com relação às contribuições sociais, ainda mais se desnecessária a instituição de referido tributo por aludida modalidade de norma (ADC 01/DF).

A prescindibilidade de lei complementar quanto à regulamentação no plano infraconstitucional das contribuições sociais não se limita, portanto, somente à figura da alíquota, tornando-se, por conseguinte, desnecessária a todos os elementos estruturantes do tributo, o que inquina de afrontosa à interpretação do tema dada pelo STF a motivação do julgado no Agravo Regimental em destaque.

O raciocínio é claramente extensível à possibilidade de alteração de uma lei complementar por lei ordinária, aquilatada, obviamente, sua caracterização material.
Cai por terra, então, a motivação sustentadora dos fundamentos que originaram a Súmula nº 276, do STJ, posto que a mera alegação de respeito à hierarquia das normas se tem por impertinente ao desate da lide, ante a conclusão extraída da ADC 01/DF, de que a Lei Complementar nº 70/91 materialmente seria uma lei ordinária, conquanto possua status diversificado.

Não se pode olvidar que tal posição foi albergada pelo STF em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 01/DF), cujos resultados, por determinação constitucional, produzirão eficácia contra todos e efeitos vinculantes, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública Direta e Indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 102, §2º, CF/88).

Considera-se, ainda, a postura do mesmo Excelso Pretório acerca da desnecessidade de a lei complementar regular os elementos estruturantes das contribuições sociais, contrariamente ao decidido pelo STJ (Agravo Regimental no Recuso Especial nº 382.736/SC).

Ora, a partir do momento em que a Lei Complementar nº 70/91 é qualificada como materialmente ordinária, por força de julgamento em ADC – com efeitos erga omnes e vinculantes – e não mais para a definição dos elementos estruturais das contribuições – caso dos contribuintes – exige-se a edição de lei complementar, pergunta-se, então, ante tais conclusões extraídas de julgados da Corte Suprema, o que justificaria ainda a imprescindibilidade de o artigo 6º, II, da Lei Complementar nº 70/91 ser revogado somente por outra lei complementar? Creio que nada!

Finalizando a questão, observo que o próprio Superior Tribunal de Justiça vem hodiernamente firmando o entendimento de que a apreciação de matéria relativa à hierarquia das leis sequer é de sua competência, haja vista tratar de questão de natureza eminentemente constitucional, conforme se vê abaixo: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. MATÉRIA DE CUNHO CONSTITUCIONAL EXAMINADA NA CORTE A QUO. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DO APELO EXCEPCIONAL.1. Embargos de divergência em recurso especial oposto contra acórdão segundo o qual “no âmbito deste recurso, não cabe ao Superior Tribunal de Justiça apreciar matéria de cunho constitucional, de competência exclusiva da Suprema Corte, nos termos do artigo 102 da Constituição Federal”.2. Não se conhece de recurso especial quando a decisão atacada basilou-se, como fundamento central, em matéria de cunho eminentemente constitucional (constitucionalidade da revogação da isenção da COFINS concedida às sociedades civis de prestação de serviços e aplicabilidade do art. 195, I e § 4º, da CF/88).3. Preliminar de não-conhecimento por trazer o acórdão de 2º grau matéria nitidamente constitucional que esbarra na possível confrontação entre os textos dos acórdãos recorrido e os apontados como dissidentes, razão pela qual impõe-se a descaminhada dos embargos.4. Agravo regimental não-provido.[14] “grifo nosso” TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COFINS. SOCIEDADE CIVIL. ISENÇÃO. ACÓRDÃO VERGASTADO. FUNDAMENTO EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF.1. O Tribunal a quo negou a pretensão da recorrente sob a ótica essencialmente constitucional, de competência do STF e, portanto, fora do âmbito de apreciação do recurso especial, a teor do art. 102 da Carta Magna.2. Agravo regimental improvido.[15] “grifo nosso”

4. CONCLUSÃO

Conforme se conclui do presente estudo, impõe-se o cancelamento ou revisão da Súmula nº 276, do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que em manifesto desacordo com o entendimento já solidificado no Supremo Tribunal Federal, na qualidade de último intérprete da Constituição Federal, de que as contribuições para a Seguridade Social, desde que previstas no artigo 195, da Carta Magna, prescindem de regulamentação pela via da lei complementar, bem assim de que à referida modalidade tributária não se aplica o disposto no artigo 146, III, a, do mesmo texto normativo. Destarte, sem nenhum vício de constitucionalidade a revogação tácita promovida pelo artigo 56, da Lei nº 9.430/96 ao artigo 6º, II, da Lei Complementar nº 70/91.
[*] Juiz Federal Substituto na Seção Judiciária do Distrito Federal. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão, exerceu os cargos de Técnico Judiciário na Seção Judiciária do Maranhão, Defensor Público e Juiz de Direito naquele Estado, bem como de Juiz Federal Substituto na Seção Judiciária do Ceará.
[1] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 209.629/MG. Rel. Ministro Milton Luiz Pereira. Julgamento em 28/09/1999. DJU 16/11/1999, p. 192.

[2] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 192.156/PE. Rel. Ministro Garcia Vieira. Julgamento em 04/05/1999. DJU 28/06/1999, p. 58.

[3] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 260.960/RS. Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros. Julgamento em 13/02/2001. DJU 26/03/2001, p. 378.

[4] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 221.710/RJ. Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins. Julgamento em 04/10/2001. DJU 18/02/2002, p. 288.

[5] Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 226.386/PR. Rela. Ministra Eliana Calmon. Julgamento em 13/08/2002. DJU 09/09/2002, p. 185.

[6] Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 297.461/PR. Rel. Ministro Francisco Falcão. Julgamento em 03/04/2001. DJU 03/09/2001, p. 153.

[7] Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 422.342/PR. Rel. Ministro Garcia Vieira. Julgamento em 15/08/2002. DJU 30/09/2002, p. 199.

[8] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 227.939/SC. Rel. Ministro Milton Luiz Pereira. Julgamento em 19/10/2000. DJU 12/03/2001, p. 97.

[9] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 260.960/RS. Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros. Julgamento em 13/02/2001. DJU 26/03/2001, p. 378.

[10] Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 01/DF. Rel. Ministro Moreira Alves. Julgamento em 01/12/1993. DJU 16/06/1995, p. 18213.

[11] Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental em Recurso Especial nº 382736/SC. Rel. Ministro Castro Meira. Julgamento em 08/10/2003. DJU 25/02/2004, p. 91.

[12] Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 138.284/CE. Rel. Ministro Carlos Velloso. Julgamento em 01/07/1992. DJU 28/08/1992, p. 13456.

[13] Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 389.001/PR. Rel. Min. Carlos Velloso. Julgamento em 10/02/2004. DJU 05/03/2004, p. 30.

[14] Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 734437/RJ. Rel. Min. José Delgado. Julgamento em 28/09/2005. DJU 24/10/2005, p. 166.

[15] Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 761506/PR. Rel. Min. Castro Meira. Julgamento em 04/10/2005. DJU 24/10/2005, p. 296.